Líderes comunitários apontam dilemas dos mais vulneráveis na pandemia

A pesquisa com as lideranças foi feita em várias regiões – Manaus, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Joinville, entre outras

 22/09/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 24/09/2020 às 10:11
Foto: giselaatje via pixabay

O boletim Rede de Pesquisa Solidária trouxe nessa edição de número 24 os resultados da quarta rodada de coleta de dados do Painel de monitoramento com lideranças comunitárias sobre os impactos do avanço da pandemia da covid-19. O levantamento, feito entre os dias 17 e 30 de agosto, contém 64 entrevistas com lideranças das regiões metropolitanas de Manaus, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Campinas, Salvador, Joinville e Maringá. Os principais problemas apontados pelos líderes foram a insegurança alimentar (fome); vulnerabilidade dos idosos como grupo de maior risco; e defasagem nos conteúdos educacionais, desgaste psicológico e falta de estrutura de proteção aos alunos.

Embora as adversidades advindas da pandemia sejam grandes, 40% das lideranças acreditam que a solidariedade que se manifestou na crise permanecerá como legado para o futuro e 16% afirmaram que a experiência negativa e a insatisfação com gestão pública resultem em melhores escolhas nas próximas eleições.

Acompanhe a cobertura do Jornal da USP sobre a pandemia do novo coronavírus

Principais problemas enfrentados pelas comunidades

Os gráficos a seguir apresentam os problemas mencionados nas quatro ondas do estudo e ajudam a ilustrar as mudanças de foco das lideranças e a variação das preocupações da população mais vulnerável nas localidades contatadas pela Rede. Foram separados pela recorrência dos problemas mencionados na última onda do estudo, que capturou a percepção das lideranças sobre os dilemas vividos na última quinzena de agosto.

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Ouça entrevista da pesquisadora Priscila Vieira ao Jornal da USP no Ar:

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Problemas com maior recorrência

A quarta onda da pesquisa revelou que o enfrentamento das necessidades materiais causadas pela pandemia ainda é o grande dilema que assola as comunidades. Questões referentes à segurança alimentar (como a fome) e o acesso a trabalho e renda continuam sendo as dificuldades mais citadas pelas lideranças (62%) que compõem o Painel. Seguindo a mesma tendência, problemas relativos à falta de renda e trabalho seguem como os mais mencionados (54%), ainda que com ligeira redução quando se observa as frequências ao longo de todos os meses do estudo.

O acesso a outras políticas foi a categoria que mais cresceu nesta última rodada em menções feitas pelas lideranças: saltou de 10% (nas duas primeiras ondas do estudo) para 23% na terceira e chegou a 31% nesta edição do levantamento. O crescimento expressivo se deu fundamentalmente pelas percepções sobre o acesso à educação. No total, uma em cada cinco (20%) mencionou a volta às aulas com um dos problemas mais críticos atualmente.

Por fim, a percepção de expansão do contágio e a não adesão às medidas de combate à pandemia também figuram entre os cinco problemas mais recorrentes mencionados pelas lideranças comunitárias.

Problemas com recorrência intermediária ou baixa

Na quarta medição do estudo, problemas com o acesso ao auxílio emergencial foram relatados com frequência bem menor, cerca de 16%. Problemas de infraestrutura, como acesso a água, luz e internet, ainda persistem como críticos para um quinto das lideranças entrevistadas. Também foram mencionados por pouco mais de 20% dos entrevistados os problemas no acesso a equipamentos e serviços de saúde. Por fim, ainda que mencionados com menor recorrência (por 11% das lideranças), a insatisfação com as ações governamentais e impactos psicológicos resultantes da pandemia foram problemas relatados a partir da associação com o desalento e o desamparo da população.

Grupos sociais mais afetados pela pandemia nas comunidades

Os idosos apareceram como o grupo mais afetado, citados por 67% das lideranças, seguidos pelo risco de morte por contágio, solidão pelo isolamento social e falta de acesso a serviços de saúde. As crianças constituem o segundo grupo mais afetado pela pandemia na opinião dos líderes consultados, com 34,4%. A falta de acesso à internet e recursos tecnológicos como computador, celular e impressora foram muito citados, além da dificuldade de acompanhar e apreender os conteúdos educacionais a distância. Há ainda a percepção de que, sem merenda, muitas crianças expressam sofrimento psicológico com a insegurança alimentar e o isolamento.

As questões relacionadas à educação a distância também afetaram os grupos dos jovens e das mulheres. Os jovens totalizaram 26,6% das menções. No caso das mulheres, a educação a distancia significou uma responsabilidade adicional, que sobrecarregou esse grupo já muito demandado. Além disso, as mulheres aparecem como um dos principais grupos afetados pela pandemia (31,3%), especialmente por conta do desemprego que atingiu empregadas domésticas e faxineiras diaristas.

O grupo dos desempregados também foi muito citado pelas lideranças consultadas, com 21,9% das menções. Nesse grupo estão não apenas jovens e mulheres, mas também homens e os chefes de família. Por fim, pessoas com deficiências, com doenças crônicas e comorbidades também foram mencionadas como grupos impactados pela pandemia pela dificuldade de acesso a atendimento médico e atividades de reabilitação.

Efeitos da pandemia no futuro das comunidades

A quarta onda do Painel encerrou a enquete com as percepções das lideranças a respeito dos efeitos da pandemia para o futuro de suas comunidades.

Reavaliação da atuação governamental

Cerca de 16% das menções coletadas apontaram efeitos na esfera da política eleitoral. É forte entre as lideranças entrevistadas a expectativa de que a pandemia despertou um olhar mais crítico entre os moradores das comunidades em relação aos poderes públicos, aos governantes e aos futuros candidatos. A percepção de que a atuação governamental foi insatisfatória nos territórios vulneráveis teria potencial para orientar as escolhas nas próximas eleições, penalizando os candidatos descomprometidos com essas comunidades.

A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.

A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (FFLCH e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (FFLCH), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o Incor. A divulgação dos resultados das atividades será feita semanalmente através de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise.

As notas anteriores estão disponíveis neste link.


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