O parasita Leishmania (verde) se ligando e entrando no macrófago (vermelho) - Foto: Cedida pela pesquisadora

Identificar diferenças nas cepas de Leishmania pode ajudar na busca de tratamento

Ao comparar linhagens com diferentes níveis de agressividade e adaptação ao hospedeiro, como têm feito pesquisas na USP, é possível descobrir alvos para vacinas ou drogas para "desarmar" o parasita, causador de doença grave em países tropicais

 14/06/2023 - Publicado há 11 meses

Texto: Julia Custódio
Arte: Carolina Borin Garcia

A leishmaniose é uma doença tropical zoonótica – transmitida entre animais e pessoas – que afeta mais de 90 países no mundo inteiro, e o Brasil é um dos países com mais casos notificados na América Latina, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Em vista da gravidade da doença e seu caráter endêmico, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP estudaram as diferenças entre as cepas de uma das espécies para contribuir no desenvolvimento de tratamentos.

A doença é transmitida por flebotomíneos, também conhecidos como mosquitos-palha. Quando o vetor pica mamíferos infectados pela Leishmania, o parasita se desenvolve dentro do inseto, que depois o transmite para humanos. Há dois tipos da doença: leishmaniose tegumentar ou cutânea e leishmaniose visceral. A primeira acomete a pele e as mucosas, já a segunda, órgãos internos.

O Laboratório de Leishmanioses, coordenado por Beatriz Stolf, professora do ICB, estuda o papel do parasita e do hospedeiro no desenvolvimento da leishmaniose. Em um dos artigos mais recentes publicados, produto do mestrado de Fabia Tano, os pesquisadores compararam os aspectos fenotípicos (características observáveis) de duas cepas de Leishmania cutânea, PH8 e LV79, com foco na fase de desenvolvimento do parasita no vetor.

“Estudamos essa fase do vetor porque as diferenças nessa fase do parasita podem contribuir muito para infecção: se o parasita é rapidamente internalizado pelo macrófago [célula de defesa do hospedeiro] e se se multiplica mais, pode levar a uma doença pior”, explica Beatriz Stolf ao Jornal da USP.

Beatriz Stolf - Foto: Arquivo Pessoal

Os pesquisadores compararam as proteínas de duas cepas do parasita e infectaram flebotomíneos fêmeas com o parasita para entender o desenvolvimento no vetor. Também fizeram experimentos para observar os efeitos do complemento sanguíneo de hospedeiros, importante para a defesa contra Leishmania, e a infectividade do parasita.

Os resultados mostraram que a cepa PH8 é mais agressiva, entra com maior facilidade e em maior quantidade nos macrófagos e coloniza melhor o vetor. Isso significa que o parasita consegue permanecer mais tempo no inseto.

Em relação aos hospedeiros, a pesquisa revelou que a cepa PH8 morre menos em contato com o complemento sanguíneo, ou seja, esses protozoários são mais fortes e capazes de entrar nas células, assim como morrem menos que a cepa LV79.

Trabalhos anteriores do laboratório também apontam para diferenças importantes entre as cepas. Em 2017, o grupo acompanhou a infecção em camundongos e constatou maiores lesões e que aparecem mais rápido naqueles infectados com PH8, assim como em 2022, em que foram apontadas as diferenças entre as proteínas das duas cepas.

“As pesquisas mostram que a gente pode descobrir como desarmar a Leishmania comparando as cepas que vieram de isolados naturais. Ao comparar essas cepas de diferentes agressividades, a gente consegue descobrir possíveis alvos para tentar produzir uma vacina ou uma droga para a leishmaniose”

Agora, outro trabalho em curso investiga a possibilidade de deletar genes específicos da cepa PH8, a fim de enfraquecê-la. “Se conseguirmos gerar uma Leishmania mais fraquinha, uma mutante que não expresse a proteína específica, ela pode ser interessante no sentido de ser testada como uma vacina”, explica Beatriz Stolf. Outra possibilidade, por exemplo, é o desenvolvimento de drogas que bloqueiam a proteína do parasita.

“As leishmanioses afetam principalmente regiões tropicais e subtropicais, e o Brasil é um país fortemente afetado pelos dois tipos da doença, concentrando, junto com alguns poucos países, 90% dos casos tanto da doença cutânea, quanto da doença visceral. Por isso, é muito importante a gente estudar essas doenças no Brasil.”

Mosquito-palha, transmissor da Leishmaniose - Foto: Wikimedia Commons

O mosquito-palha é um inseto encontrado em locais quentes e úmidos, e independe da água para depositar ovos. O controle do vetor é mais difícil no Brasil e em outros países tropicais, em que muitas pessoas vivem próximas à mata e a regiões arborizadas – locais que favorecem a presença do inseto.

Mais informações: e-mail bstolf@usp.br, com Beatriz Stolf

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