Ferramenta traça caminho de tecnologia do laboratório à patente

Aplicada a quase três mil patentes de tratamento para hemofilia, técnica foi capaz de antecipar novas terapias

 11/07/2018 - Publicado há 6 anos
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Sistema usa, entre outras técnicas, o que os especialistas chamam de “mineração de patentes através de análise de redes”. Pesquisa aplicou o método para analisar a rota tecnológica do Fator VIII, principal tratamento utilizado para hemofilia – Arte: Jornal da USP

Pesquisadores da USP em Ribeirão Preto criaram um método que identifica rotas tecnológicas: caminhos percorridos por determinadas tecnologias, da mais antiga até a mais promissora. O recurso oferece possibilidades amplas de análises, com destaque para previsão de tecnologias emergentes. O cenário antecipado de inovações deve propiciar tomada de decisões e investimentos em futuras tecnologias.

O sistema usa, entre outras técnicas, o que os especialistas chamam de “mineração de patentes por meio de análise de redes”, que permite traçar uma rota tecnológica a partir de um banco de dados mundial de patentes. Com as informações, podem ser analisadas e entendidas as relações entre as empresas e instituições detentoras das patentes e os caminhos do conhecimento mostrados pelas citações tecnológicas (o depósito da patente, obrigatoriamente, indica os conhecimentos que utilizou).

Além de mostrar como se deu a construção de uma determinada tecnologia, a ferramenta evidencia também seu atual desenvolvimento – quem são os desenvolvedores; como foi a evolução da quantidade de patentes naquela área; quais são as empresas, de onde elas surgiram e quais os temas mais importantes. Tudo 100% desenvolvido por pesquisadores brasileiros, resultado de parceria entre os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Inovação, Gestão Tecnológica e Competitividade (InGTec) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP e do Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro de Ribeirão Preto, com recursos da Fapesp. 

O futuro do tratamento para hemofilia

Rota tecnológica mais promissora para o Fator VIII recombinante, mostrando a evolução no tempo e as tecnologias emergentes. A direção da seta mostra o fluxo de conhecimento

Coordenadora do InGTec, a professora Geciane Silveira Porto conta que, o método permitiu traçar a rota tecnológica para o Fator VIII recombinante (proteína sintética de coagulação do sangue, utilizada para tratar hemofilia). O estudo é resultado do pós-doutorado do biólogo molecular e biotecnologista Cristiano Gonçalves Pereira, que trabalhou com supervisão de Geciane e contou com a participação dos pesquisadores Virgínia Picanço-Castro e Dimas Tadeu Covas, CTC do Hemocentro de Ribeirão Preto.

A equipe do Hemocentro é responsável por uma patente sobre método de produção do Fator VIII (veja reportagem sobre o tema aqui) e garante que os resultados das análises da rota do Fator VIII, obtidos neste estudo, são importantes na identificação das tecnologias mais promissoras neste setor e na orientação de novas investigações.

O estudo analisou cerca de três mil patentes com 20 a 30 páginas cada, depositadas nos últimos 20 anos, e os resultados acabam de ser publicados na Nature Biotechnology. Como principal tendência para o futuro da tecnologia do Fator VIII recombinante, encontraram a associação com outra molécula [veja abaixo].

“Esse é um setor que vem crescendo nos últimos anos”, afirma Geciane.  Principal terapia para hemofílicos – pessoas com deficiência do Fator VIII que necessitam tomar frequentemente injeções dessa proteína – o Fator VIII recombinante é uma tecnologia que demanda inovação. E o interesse por essas inovações se justifica pelos problemas que enfrenta atualmente: meia-vida curta da proteína sintética obriga pacientes a tomar injeções frequentes e, por ser um corpo estranho, pode ser rejeitada pelo organismo que a recebe.

As análises da rota tecnológica para o Fator VIII recombinante mostram a evolução do conhecimento científico dessa proteína da década de 1996 até hoje. O desencadeamento se dá da mais nova tecnologia até a que deu origem a todas as demais. Conta o pesquisador Pereira que “muitas delas já viraram produto, mas como hoje as tecnologias emergentes devem oferecer meia-vida mais longa, essas são as mais promissoras”.

E, para ter futuro nesse setor, as novas tecnologias precisam associar ao Fator VIII moléculas que prolonguem a meia-vida da proteína e, ao mesmo tempo, aumentem a eficiência da terapia. O paciente então precisará de menos doses do produto.

O estudo identificou também que hoje duas startups têm a tecnologia mais emergente nesse mercado. Pereira diz que elas ainda estão em testes, mas são as mais sofisticadas. Ainda segundo o estudo, uma área de inovação surgiu nos últimos anos, a de moléculas conjugadas para o Fator VIII recombinante.

Parcerias são estratégicas para a inovação

“As tecnologias mais promissoras na produção do Fator VIII são resultado de cooperação entre empresas”, dizem os pesquisadores. E foi observando as redes de cooperação estabelecidas e os movimentos desse mercado que verificaram a eficiência do fator cooperação para este setor. O estudo dessas redes identificou os atores mais influentes no mercado, o modo como cooperam e os mais abertos ao estabelecimento de parcerias.

Rede de cooperação entre os titulares de patentes de Fator VIII recombinante. Empresas se associam na busca por tecnologia inovadora. Rede mostra as mais influentes, como se relacionam e as mais abertas a parcerias

 

O mercado mundial de inovações tecnológicas vem, segundo Geciane, oferecendo oportunidades para que startups, por exemplo, se juntem a empresas maiores e produzam tecnologias superiores às líderes de mercado. “Esse movimento de parcerias revela as decisões estratégicas das empresas no setor.”

O movimento das empresas que desenvolvem o Fator VIII caminha no sentido de superar as duas limitações da proteína sintética: diminuir a resposta do corpo para o que não deveria ser reconhecido como estranho e aumentar a meia-vida da proteína. “Este é o foco no qual as empresas estão apostando suas fichas”, revela a professora, chamando a atenção para o fato de que esta é uma informação que nenhuma empresa fornece e só foi possível obter pela análise do caminho percorrido na construção da tecnologia.

Para Geciane, o potencial de oferecer respostas do método desenvolvido na USP promete. Pesquisadores, investidores, agentes de políticas públicas, garante ela, podem usar a ferramenta para saber qual dos projetos está na fronteira do conhecimento, o que pode ajudar na tomada de decisões.

InGTec

Núcleo de Pesquisa em Inovação, Gestão Tecnológica e Competitividade, o InGTec atua em pesquisas e projetos voltados à gestão da inovação e desenvolvimento tecnológico. Trabalham com inovação aberta para incentivar capacitação e criar cultura de inovação e transferência de tecnologia.

Também são alvos de seus estudos o desenvolvimento de ferramentas para inteligência tecnológica, os processos de gestão da inovação, a análise de impactos e os indicadores de inovação.

Entre as linhas de pesquisa nas quais atuam, estão: Cooperação empresa – universidade/ instituto de pesquisa: sob a ótica da hélice tripla, inovação aberta e redes de cooperação; Habitáts de inovação – Incubadoras e Parques Tecnológicos; Indicadores de inovação e de produtividade; Internacionalização de P&D; Prospecção, valoração, comercialização de tecnologias e Empresas de base tecnológica (EBT). Participam do InGTec pesquisadores e estudantes das áreas de administração, economia, ciências da  informação e biociências.

CTC

O Centro de Terapia Celular da USP é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que fica na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto. O grupo é coordenado pelo professor Dimas Tadeu Covas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e desenvolve há 15 anos pesquisas relacionadas à produção de fator FVIII e FIX (relacionados à coagulação), utilizando células humanas.

Mais informações: e-mail cristianoimune@gmail.com

Rita Stella e Rosemeire Talamone, de Ribeirão Preto


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