Evolução ajuda a explicar diferença no tamanho de tartarugas

Tartarugas marinhas e terrestres são, em média, maiores que as de água doce; análise de 800 espécies evidenciou relação entre habitat e tamanho

 24/07/2023 - Publicado há 9 meses     Atualizado: 26/07/2023 as 13:31

Texto: Camilla Almeida (estagiária)*
Arte: Carolina Borin Garcia (estagiária)**

Estudo tem método inédito na utilização de fósseis de animais extintos para elaborar a árvore filogenética das tartarugas - Foto: PxHere

As tartarugas, também conhecidas como testudines ou quelônios, são répteis pré-históricos, com evidências de fósseis datados em quase 200 milhões de anos atrás. Esses animais experienciaram um longo processo evolutivo, com mudanças de características com o passar do tempo. Para compreender melhor essas transformações, pesquisadores da USP investigaram os fatores que influenciaram na evolução do tamanho corporal delas.

Após a realização de análises comparativas e estatísticas, foi constatado que as tartarugas marinhas e terrestres são, em média, maiores que as de água doce.

De acordo com Pedro Godoy, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos autores do estudo, essa disparidade pode ser explicada pela história evolutiva de cada espécie, que adquire características próprias para a sobrevivência em seu ambiente.

“O tamanho pode ser uma vantagem adaptativa, já que, se a tartaruga for muito grande, isso pode representar um problema para sua funcionalidade fisiológica. Contudo, é bem difícil ter certeza de um só fator de influência: a própria resposta que nós encontramos mostrou que eles são muito variáveis”, diz o especialista.

Pedro Godoy - Foto: Arquivo Pessoal

Pedro Godoy - Foto: Arquivo Pessoal

Temperatura importa pouco

Foram analisados vestígios e carapaças de mais de 800 espécies vivas e extintas desde o período triássico (entre 252 milhões a 201 milhões de anos), além de dados e informações sobre o clima mundial e o habitat dos animais. “O principal resultado encontrado foi o de que o tamanho das tartarugas está muito mais relacionado aos ambientes que elas ocupam. Nós também testamos se o tamanho corporal estava relacionado com a temperatura, porém, não encontramos muito essa relação”, explica, ao Jornal da USP, Bruna Farina. Mestre em Biologia Comparada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, ela é primeira autora do artigo.

A falta de conexão entre o tamanho corporal e a temperatura foi uma surpresa. As tartarugas são animais ectotérmicos, ou seja, dependem de fontes externas de calor para manter sua temperatura corporal. O resultado se mostrou surpreendente devido ao fato de que outros animais pertencentes a esse grupo possuem uma relação entre temperatura ambiente e tamanho. “Talvez para grupos menores e mais específicos dentro das tartarugas, a temperatura possa ser um fator mais importante. Mas, de maneira geral, para todas as tartarugas, a gente encontrou pouca influência da temperatura”, diz Bruna Farina.

O estudo é pioneiro na utilização de fósseis de animais extintos e responsável pela elaboração de uma grande e inédita árvore filogenética das tartarugas – um diagrama que mostra as relações adaptativas entre as espécies. Para isso, os pesquisadores realizaram um trabalho de reconstrução ancestral e disponibilizaram as informações em um banco de dados livre para consulta pública.

Bruna Farina - Foto: Arquivo Pessoal

Bruna Farina - Foto: Arquivo Pessoal

Evolução em evidência

O material recolhido é importante para o entendimento não só da evolução corporal, mas também para uma melhor compreensão dos fatores ambientais que afetam a vivência e padrões evolutivos das tartarugas. Foi realizada uma análise de modelo evolutivo com a testagem de diferentes tipos de evolução biológica. “Ficou claro que o movimento Browniano, que representa uma evolução aleatória, quase difusa, não explica melhor os nossos dados. A evolução direcional, que apresenta uma tendência de aumento ou diminuição de tamanho, também não foi observada”, explica Godoy. O movimento Browniano, para a física, diz respeito a movimentos aleatórios de partículas em um fluido. Para a biologia, o termo é utilizado para falar sobre processos evolutivos livres, que não possuem nenhuma barreira ou pressão seletiva específica.

A teoria mais apropriada para explicar o caso das tartarugas foi o modelo Ornstein–Uhlenbeck. O processo, nomeado em homenagem aos físicos holandeses Leonard Ornstein e George Eugene Uhlenbeck, prevê que existe alguma “barreira” ou restrição associada à evolução – nesse cenário, as barreiras podem ser suas carapaças ou seu habitat. Não foi possível concluir qual fator de fato se encaixa neste papel, mas os pesquisadores apontam que a descoberta aponta uma dica sobre qual caminho percorrer. 

Godoy afirma que o estudo do processo evolutivo das tartarugas é muito importante para um melhor entendimento de seus aspectos únicos e característicos.

“Elas parecem ter um tipo de evolução bem peculiar: sem grandes saltos adaptativos, sem impactos nótáveis sofridos pelos eventos e sem diversificação demais em nenhum momento”.

Atualmente, existem 356 espécies de tartarugas conhecidas. Elas estão dispersas por todo o globo, mas com menos incidência em territórios frios. 

Os resultados da pesquisa foram divulgados no artigo Turtle body size evolution is determined by lineage-specific specializations rather than global trends, publicado na revista britânica Ecology and Evolution.

Mais informações: com Bruna Farina, e-mail bruna.mfarina@gmail.com, e Pedro Godoy, e-mail pedro-godoy@usp.br

*Sob supervisão de Fabiana Mariz e Valéria Dias
**Sob supervisão de Moisés Dorado e Simone Gomes de Sá


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