Em busca de biomarcadores para diagnosticar malária placentária

Formas mais eficientes de diagnosticar a doença em gestantes podem ajudar a evitar abortos, partos prematuros e baixo peso ao nascer

 01/12/2023 - Publicado há 7 meses

Texto: Felipe Parlato*

Arte: Simone Gomes

Pesquisa busca no sangue de gestantes possíveis indicadores de problemas na formação e desenvolvimento da placenta - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Um projeto desenvolvido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP tem o objetivo de buscar marcadores para o diagnóstico da malária placentária, forma específica de infecção em que o parasita causador da doença se aloja na placenta da gestante. A malária é uma doença parasitária causada pelos protozoários Plasmodium vivax e P. falciparum. É transmitida aos seres humanos através da picada da fêmea infectada do mosquito Anopheles. Porém, ao nascer, os mosquitos não carregam em si os plasmódios. Eles se infectam ao picar uma pessoa já infectada e que não está em tratamento.

A pesquisa é desenvolvida pela pós-doutoranda do ICB Jamille Gregório Dombrowski, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo ela, o trabalho surgiu da necessidade de busca de formas mais eficientes de diagnosticar a doença em grávidas. “Quando o parasita infecta a gestante e atinge a placenta, o diagnóstico para malária placentária só poderá ser feito no momento do parto. Quando chega a esse ponto, não há muita margem para ação: o bebê já nasceu com baixo peso, ou a mulher teve um aborto, ou um parto prematuro”, explica a pesquisadora. Dessa forma, a pesquisa é focada em identificar novos biomarcadores para diagnosticar a doença ainda durante a gestação.

Jamille Gregório Dombrowski - Foto: Reprodução/FAPESP

Jamille Gregório Dombrowski - Foto: Reprodução/Fapesp

O projeto Identification of Predictive Biomarkers of Placental Dysfunction in Malaria é desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, sob supervisão do professor Claudio Marinho, do Departamento de Parasitologia do ICB. Durante a última edição do Congresso de Pós-doutorandos da USP, que ocorreu nos dias 17, 18 e 19 de outubro, a pesquisadora recebeu menção honrosa no Prêmio Pós-Doc USP, na categoria Ciências da Saúde. O projeto premiado é fruto de trabalhos anteriores da pesquisadora com a malária durante a gravidez.

Uma consequência adversa grave da malária gestacional, a malária placentária ocorre quando o protozoário causador da doença deixa de circular apenas no sangue periférico e se aloja na placenta da gestante, atingindo também esse órgão. Apesar de não representar todos os casos, a infecção é frequente — estudos mostram que ela pode afetar mais de 50% das gestantes infectadas.

A pós-doutoranda explica a diferença entre os parasitas. O Plasmodium vivax, prevalente aqui no Brasil, não adere ao tecido placentário, ao contrário do Plasmodium falciparum, espécie que gera manifestações mais graves. “O parasita fica aderido ao tecido placentário, o que dificulta a sua eliminação e pode causar um intenso processo inflamatório, o principal motivo dos efeitos adversos que nós observamos nesses quadros.”

Malária na gestação

Maior parte dos casos de malária gestacional no País ocorrem na Amazônia – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Sobre a incidência atual da malária no Brasil, Jamile Dombrowski menciona um estudo publicado pelo grupo na revista Lancet Americas, que apresenta um levantamento realizado entre 2004 e 2018, o qual demonstra que a grande maioria dos casos de malária gestacional no Brasil se concentra na região amazônica. “Sabemos que é uma região com poucos recursos e, apesar de já termos o diagnóstico e o tratamento de forma precoce nas infecções convencionais, estamos observando que ainda há esses efeitos adversos nas gestantes, que representam cerca de 5,8% dos casos de malária entre as mulheres em idade fértil no Brasil”, esclarece.

O diagnóstico funciona de duas maneiras. No caso da malária gestacional, o exame é idêntico ao das pessoas em geral: por microscopia (gota espessa – padrão ouro) através da coleta de sangue por punção digital da paciente. No caso da malária placentária, o exame é feito com a coleta do sangue placentário para análise por microscopia e confirmado por histologia — análise do tecido afetado —, e necessita de um profissional altamente qualificado para realizar a coleta adequada de uma amostra da placenta logo após o parto, conservá-la e analisá-la em laboratório. Há também a opção de diagnóstico por biologia molecular. Esta alternativa, contudo, é inviável nas regiões mais afetadas pela doença, por ser uma técnica de alto custo, que necessita de infraestrutura especializada.

Biomarcadores

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Uma possibilidade, investigada pela pesquisadora no trabalho premiado, seria buscar no próprio sangue periférico das gestantes proteínas que indiquem alterações, causadas pela infecção, na formação e desenvolvimento da placenta. O estudo acompanhou 600 mulheres durante todo o período gestacional, concentrando-se na primeira infecção, quando esta ocorre no primeiro ou no segundo trimestre da gravidez. Após coletado o sangue, foi feita a separação do plasma, que foi analisado utilizando técnicas diversas para detecção de biomarcadores. “A ideia, ao final, é encontrar e padronizar um conjunto de biomarcadores que possam ser facilmente mensurados durante os exames de pré-natal, utilizando os equipamentos encontrados na rede pública de saúde, para o diagnóstico precoce das alterações ou lesões placentárias associadas à infecção na gestação”, explica.

Do painel de 30 biomarcadores, já foram obtidos os resultados de 15. O objetivo é reduzir o escopo a uma combinação de até cinco, com base em parâmetros diversificados de alterações e lesões placentárias, e por fim utilizá-los no diagnóstico. A mensuração deve ser concluída até o fim deste ano, e o estudo, até maio do ano que vem.

A pesquisadora destaca a importância das atividades do congresso, que viu como uma oportunidade para “sair da bolha” e conhecer o que outros pós-doutorandos estão fazendo. Sobre as atividades, ela ressalta as que tiveram como tema o financiamento de pesquisa e a mobilidade na carreira. “Foi muito bom ter entendido que a nossa carreira pode seguir por diversos caminhos. Também gostei das apresentações sobre as formas de financiamento de pesquisa no Brasil, e da oportunidade de ouvir, num mesmo ambiente, representantes das principais agências de fomento e canais de financiamento da ciência.”

Mais informações: e-mail comunicacao@icb.usp.br, no Núcleo de Comunicação do ICB

*Do Núcleo de Comunicação do ICB, com edição de Valéria Dias


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