Além da fantasia: decifrando as sagas fantásticas

A chamada “saga fantástica” encanta porque conta a trajetória do herói, sobretudo do herói mitológico, na aventura de si mesmo

 17/02/2017 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 21/08/2018 às 17:05

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Foto: Pixabay
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Aventuras narradas com muito movimento, magia, humor e consideráveis pitadas de suspense são, em geral, o que define as sagas, sobretudo as modernas, habitando as telas pequenas e grandes como os tablets e os cinemas. Há sempre uma história dessas para nos encantar, como as séries Crônicas de Gelo e Fogo (Game of Thrones), Indiana Jones, O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Percy Jackson, Star Wars, Crepúsculo, Batman, Matrix e As Brumas de Avallon, entre outras, e o sucesso aí é garantido. Populares, em grande parte, entre jovens leitores, as sagas possuem várias características em comum, “como o fato de mobilizarem aspectos fantásticos, de terem recebido adaptações em várias mídias e de atraírem leitores na internet”.

E por que as sagas são tão populares, qual é o motivo desse sucesso? A chamada saga fantástica encanta porque conta a trajetória do herói, sobretudo do herói mitológico, na aventura de si mesmo: “Temos uma história densa em que o leitor é transportado para um mundo paralelo”, fantástico, em que entra em cena o herói, que enfrenta tudo e todos, em uma jornada de transformação do mundo e de autodescoberta. É o que nos explica Pedro Afonso Barth, em seu artigo recém-publicado na Revista Crioula: “Todas as questões humanas que ali se desenrolam são identificáveis: solidão, medo, dúvida e dificuldade de aceitação, assim como o companheirismo, a coragem, a bondade […]”.

O autor nos conta que as sagas fantásticas são mundos alternativos, idealizados, em que ” mitos e elementos da tradição oral são resgatados e reconfigurados com os valores contemporâneos, ao mesmo tempo em que a mesma história é contada por diferentes linguagens”. Nesse contexto, Barth se vale de Glória Garcia Rivera e o conceito de arquitexto, afirmando que essas histórias são compostas de diversas linguagens e universos de significações múltiplas, completando que toda saga traz a possibilidade de leitura não linear, pois é “um modelo aberto de relato, extenso, propenso a modos distintos de leitura, suscetível a ampliações”.
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A análise do autor parte dos conceitos desenvolvidos pelo historiador e estudioso francês Roger Chartie a mostrar-nos que, atualmente, a relação leitor/expectador e obra mudou, na medida em que “presenciamos outra revolução na leitura provocada pela internet, pelo livro eletrônico e pelo hipertexto”. Nessa nova relação, o público tem, hoje, à sua disposição, textos interativos, com imagens e sons, os quais, por sua vez, geram outras ideias e outros textos que proliferam pelas mídias digitais. Essa é a questão que mais interessa ao autor: o talento do leitor de hoje, sobretudo jovem, em resgatar elementos e valores contidos nas leituras e levá-los para o cotidiano, recriar esses mundos fantásticos, muitas vezes gerando movimentos sociais, grupos, moda, etc., entre os adolescentes.

Para Barth, todo texto é uma representação do real, e as sagas não fogem à regra, pois nascem da “necessidade de inventar mundos novos para entender melhor a nossa realidade”. Assim o leitor passa, a partir de sua saga preferida, a ser um agente de compartilhamento, um divulgador, um criador de espaços virtuais de discussão desse universo “inventado” que ele ajuda a recriar, muitas vezes pelas redes sociais.

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Talvez por serem muito populares, as sagas fantásticas são vistas por professores e uma elite cultural como “leituras selvagens”, nas palavras de Chartier. Mas, ao contrário do que se pensa, as sagas fantásticas, segundo Pedro Barth, podem “chegar a ser expressão da verdade profunda do mito. Ou seja, a fantasia de uma saga dialoga com a mitologia humana como um todo, com a necessidade da fantasia que constitui a natureza humana” e , por sua vez, as escolas precisam oferecer aos alunos leituras “capazes de transformar a visão de mundo, as maneiras de sentir e de pensar”.

Pedro Afonso Barth é doutorando da Universidade Estadual de Maringá e mestre em Letras pela Universidade de Passo Fundo, na Linha de Leitura e Formação do Leitor em 2016.
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BARTH, Pedro Afonso. Representações e apropriações nas sagas fantásticas. Revista Crioula, São Paulo, n. 18, p. 92-107, dez. 2016. ISSN: 1981-7169. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-7169.crioula.2016.119400. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/119400. Acesso em: 10 jan. 2017.
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Margareth Artur / Portal de Revistas da USP


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