Fármaco reativa defesas naturais do corpo contra tumores

Pesquisa comprova nova ação do paclitaxel, droga já usada contra o câncer, modificando perfil funcional de células de defesa

 03/09/2018 - Publicado há 6 anos
A imunoterapia, que propõe a ativação do sistema imunológico do próprio paciente, é uma corrente que tem crescido no combate ao câncer. Novos conhecimentos sobre fármacos e seus efeitos, como o gerado nesta pesquisa, permitem que sejam desenvolvidas estratégias mais eficazes de uso. Na imagem, o macrófago (célula de defesa) de um rato em ação – Foto: Wikimedia Commons

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Um trabalho desenvolvido no Centro de Pesquisas em Doenças Inflamatórias (Crid) comprovou um novo mecanismo de ação de um medicamento contra tumores, o que poderá contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes contra o câncer. 
O paclitaxel, conhecido comercialmente como Taxol, é um quimioterápico já utilizado no tratamento de alguns tipos de tumores, como os de mama, ovário e pulmão – mas ainda não havia um consenso entre os cientistas sobre os mecanismos de atuação dessa droga no sistema imunológico.

A pesquisa teve a coordenação dos professores do Crid e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP Thiago Mattar Cunha e Fernando de Queiroz Cunha, e foi realizada por cientistas do Crid e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará  (UFC). O estudo durou cerca de dois anos e resultou em um artigo publicado recentemente no periódico científico Cancer Research.

Reprogramação de células de defesa

O desenvolvimento do câncer está ligado à capacidade dos tumores de suprimir a resposta imune do paciente, bloqueando as defesas naturais do organismo. Para isso, o tumor utiliza os próprios componentes do sistema imunológico, entre eles, os macrófagos, um tipo de célula que pode se diferenciar e adotar perfis funcionais diferentes ou até opostos. Os dois perfis principais são chamados de fenótipos M1 e M2. Enquanto os macrófagos M1 estimulam o processo inflamatório e combatem o tumor, os M2 impedem a inflamação e promovem o desenvolvimento do tumor. Nos tumores, mediadores locais influenciam os macrófagos infiltrados a adotar um fenótipo M2, que contribui para a progressão tumoral.

“O macrófago é uma célula plástica. Diferente de outras células do sistema imunológico, ele pode mudar de perfil e função dependendo dos estímulos de onde está inserido, inclusive adotando funções opostas. Portanto, os macrófagos M2 infiltrados no tumor podem ser reprogramados para o perfil M1 e assim ajudar no combate ao câncer.  Nosso trabalho propõe que o paclitaxel tem exatamente essa ação e que esse mecanismo auxilia na eficácia antitumoral final do medicamento”, explica um dos autores do trabalho, o doutorando da Faculdade de Medicina da UFC Carlos Wagner Wanderley.

Foto: Divulgação / Crid – USP (Clique na imagem para ampliar)

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Segundo ele, a literatura científica já mostrava que o paclitaxel seria capaz de ativar o receptor toll do tipo 4 (TLR4), um tipo de proteína muito expressa em macrófagos que tem como efeito induzir a resposta inflamatória, estimulando o organismo a combater o tumor. “Quando o TLR4 é ativado, pode induzir a transformação de macrófagos M2 para o perfil M1. Então decidimos investigar se com a ativação desse receptor o paclitaxel poderia modificar o perfil funcional dos macrófagos infiltrados no tumor”, diz ele.

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Para verificar isso, a pesquisa realizou experimentos in vitro com macrófagos isolados de camundongos estimulados com paclitaxel. “Ao fazermos essa estimulação, comprovamos que o paclitaxel polarizava os macrófagos para o perfil M1. Em seguida, investigamos se seria possível reprogramar o macrófago M2. Polarizamos os macrófagos isolados para o perfil M2 e os estimulamos com o medicamento, o que os transformou em M1, um perfil oposto.”

O passo seguinte foi verificar essa ação no tumor in vivo. Para isso, os pesquisadores analisaram o perfil funcional dos macrófagos em tumores de mama e melanoma de animais tratados com o paclitaxel. No experimento, eles também observaram que esse perfil mudava para o fenótipo M1.

“Para comprovar que essa mudança participava da eficácia terapêutica da droga, utilizamos camundongos geneticamente modificados sem o gene do receptor TLR4 especificamente nos macrófagos. Neles, todo o restante do sistema imunológico responde ao TLR4, menos os macrófagos. Portanto, se o efeito do paclitaxel dependesse desse mecanismo, seria perdido. E foi o que aconteceu: a redução do crescimento do tumor foi anulada nesses animais, indicando que a ativação desse receptor no macrófago é fundamental para o efeito antitumoral final do medicamento”, conta Carlos Wagner.

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O último passo da pesquisa foi verificar essa ação do paclitaxel nos seres humanos. Para isso, os pesquisadores realizaram uma análise de bioinformática a partir de um banco público de dados de expressão gênica obtidos a partir de biópsias de tumores de pacientes realizadas antes e após o tratamento com o medicamento. Como resultado, eles verificaram que o paclitaxel aumentava a expressão de um conjunto de genes característico de macrófagos M1 nesses tumores.

“Quando se conhece os efeitos de um fármaco, fica mais fácil propor estratégias eficazes de uso. Hoje, por exemplo, uma corrente que tem crescido no combate ao câncer é a imunoterapia, que propõe a ativação do sistema imunológico contra os tumores. Nós realmente acreditamos que essa descoberta forneça uma base racional para novos protocolos que compreendem o uso do paclitaxel associado a imunoterapias. O uso associado desses medicamentos pode trazer benefícios superiores aos pacientes em relação aos observados hoje na clínica. Possivelmente haveria ainda redução das doses e até dos efeitos colaterais”, diz o pesquisador.

Agora, os pesquisadores estão discutindo uma parceria com centros internacionais do Reino Unido e dos Estados Unidos com o objetivo de realizar um estudo clínico multicêntrico associando o tratamento com o paclitaxel à imunoterapia. As instituições internacionais serão responsáveis pela parte clínica da pesquisa.

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Sobre o Crid

O Centro de Pesquisas em Doenças Inflamatórias (Crid) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e está localizado no campus da USP em Ribeirão Preto.

Thais Cardoso / Assessoria de Comunicação do IEA Polo Ribeirão Preto

Mais informações: site http://crid.fmrp.usp.br


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