Óleo no Nordeste: ao menos os corais sobreviveram

Apesar do forte impacto social e ambiental causado às praias e manguezais, não há registro de contaminação direta de recifes de coral até agora, segundo pesquisador da USP

 19/11/2019 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 22/11/2019 as 13:39
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O pesquisador Miguel Mies observa experimento que testou a resistência de corais à contaminação por óleo – Foto: Leandro Santos / Coral Vivo

Em meio à maré de más notícias sobre o derramamento de óleo no Nordeste, surge um alento no horizonte. Ao que tudo indica, pelo menos até agora [*], os recifes de coral brasileiros conseguiram passar incólumes pelo desastre. A maior parte do óleo parece ter chegado às praias passando por cima dos recifes, sem entrar em contato direto com os corais.

O diagnóstico é do oceanógrafo Miguel Mies, pesquisador associado do Instituto Oceanográfico (IO) da USP e coordenador de pesquisa do Projeto Coral Vivo, uma organização não governamental dedicada à pesquisa e conservação desses ecossistemas desde 2003. Ele esteve duas vezes no Nordeste para monitorar os possíveis impactos do óleo sobre os recifes de Alagoas e da Bahia; e conversou com vários pesquisadores sobre o impacto das manchas em outras regiões.

“Quando fomos até os recifes tivemos uma surpresa muito positiva, porque não encontramos nenhum caso de óleo sobre coral vivo”, relata Mies. Em Maragogi, Alagoas, eles até encontraram um pouco de óleo na base dos recifes, mas nada depositado sobre os corais propriamente ditos. (Lembrando que os recifes são as estruturas duras que se projetam do solo oceânico e os corais são organismos vivos que vivem sobre elas. Fazendo uma analogia: o recife é um prédio de concreto e os corais são os inquilinos, que tanto constroem quanto habitam essa estrutura.)

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Recife de corais entre a Ponta da Coroa Vermelha e a Ponta Grande, entre Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, na Bahia…-

– Foto: Áthila Bertoncini / Projeto Coral Vivo

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O mesmo vale para outros locais, vistoriados por outros pesquisadores, segundo Mies. Imagens que circularam na internet durante a maré negra mostraram quantidades grandes de óleo depositado na base de alguns recifes — por exemplo, na praia do Cupe, em Pernambuco — e manchas de óleo pairando sobre recifes — por exemplo, na região da praia de Peroba, em Alagoas. Mas, mesmo nesses casos, por sorte, não houve registro de óleo impregnando diretamente os corais.

“Praticamente todos os grandes e principais recifes foram razoavelmente bem investigados, e nada foi encontrado”, afirma Mies — fazendo a ressalva de que não há como garantir que algum ambiente recifal mais isolado não tenha sido impactado. “É possível que tenha algum lugar onde ninguém foi, onde ninguém teve acesso, que tenha um recife que sofreu com uma mancha que se depositou por ali e causou um impacto maior. Apenas não foi encontrado até agora.”

[*Atualização: Três dias após a publicação desta reportagem, em 22/11, foi noticiado pelo UOL que pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas encontraram alguns vestígios de óleo sobre corais em Jarapatinga, no norte de Alagoas.]

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Lava jato recifal

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Outra boa notícia, que chega dos laboratórios, é que pelo menos uma das espécies de coral que seriam potencialmente afetadas pelo óleo parece ter a capacidade de se livrar da contaminação por conta própria. Trata-se do Mussismilia harttii, uma espécie endêmica (que só existe no Brasil) e ameaçada de extinção, que é uma das principais construtoras de recifes coralíneos brasileiros.

Experimentos em aquários feitos pelos pesquisadores do Coral Vivo (liderados por Henrique Fragoso dos Santos, da Universidade Federal Fluminense – UFF) mostraram que o M. harttii usa uma combinação de artimanhas para expulsar o óleo que recai sobre ele, incluindo produção de muco e gases. Pólipos de corais cobertos com camadas espessas da borra de óleo conseguiram se livrar sozinhos do material no prazo de alguns dias, sem qualquer prejuízo aparente à sua saúde.

Mies acredita que isso seja uma adaptação especial dos corais brasileiros, que evoluíram para sobreviver em condições ambientais naturalmente mais adversas do que as de outros ecossistemas recifais, com maior carga de sedimentos, menos luminosidade e variações mais acentuadas de temperatura. Já era sabido que eles são capazes de se limpar de sedimentos leves, como areia, mas foi a primeira vez que um experimento desses foi feito com óleo.

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Pesquisadores do Projeto Coral Vivo testaram em aquários a resposta dos corais à contaminação por óleo – Foto: Leandro Santos / Coral Vivo

 

 

 

 

 


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