.
Um estudo de fisiologia comparativa realizado com beija-flores e galinhas pode explicar melhor a atuação da carnosina no músculo. A substância, composta de dois aminoácidos (beta-alanina e histidina) e tradicionalmente conhecida por prevenir a fadiga durante a atividade física, agora foi associada, principalmente, à função de reduzir a concentração de ácidos no músculo, chamada de tamponamento. O estudo é um passo importante para o aprimoramento de intervenções terapêuticas e esportivas que visem a minimizar a disfunção muscular provocada por acidose.
A pesquisa foi feita pela fisiologista Eimear Dolan, pós-doutoranda do professor Bruno Gualano, ambos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em parceria com os pesquisadores da USP Eduardo Bicudo, do Instituto de Biociências (IB), Guilherme Artioli e Hamilton Roschel, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), além de Roger Harris (Consultoria Junipa – Inglaterra) e Craig Sale, da Nottingham Trent University, Inglaterra, com suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
As duas espécies de aves foram escolhidas porque possuem metabolismos de produção de energia completamente diferentes um do outro, explica Eimear. O beija-flor é um animal veloz e com uma capacidade de bater as asas até 90 vezes por segundo, o que lhe demanda bastante oxigênio para renovação das estruturas celulares e produção de energia. Seu metabolismo é oxidativo aeróbio, situação que pode ser comparada a de um atleta de endurance (por exemplo, um maratonista que necessita de energia por um longo período de tempo para finalizar uma prova de 42 quilômetros), compara Gualano.
Já a galinha tem seu metabolismo funcionando de forma predominantemente anaeróbia (produção de energia independentemente do uso do oxigênio). Nos voos curtos, utiliza energia de forma semelhante às pessoas que fazem exercícios que exigem grande quantidade de energia por um curto período de tempo – quem corre 100 metros rasos, por exemplo.
Segundo Gualano, a hipótese que se colocava era a seguinte: se a carnosina fosse abundante no músculo do beija-flor, seria provável que a substância exercesse a função antioxidante, de modo a minimizar o estresse oxidativo, resultado do formidável metabolismo oxidativo desse animal. Em contraste, se a carnosina estivesse presente em maiores concentrações no músculo da galinha, o esperado seria que atuasse como um agente de combate aos ácidos que se acumulam no músculo, originários do acentuado metabolismo anaeróbio dessa ave.
Definidas as aves com distintas características fisiológicas, os pesquisadores analisaram em laboratório amostras dos músculos do beija-flor e da galinha. Como resultado, os pesquisadores encontraram nos tecidos musculares da galinha uma quantidade de carnosina muito maior quando comparada à dos tecidos musculares do beija-flor. Isso levou Eimear a concluir que “a função da carnosina era, principalmente, a de diminuir o processo de acidose muscular, como agente tampão, evolutivamente compatível com o músculo altamente anaeróbio da galinha e que a virtual ausência de carnosina no músculo do beija-flor indicaria sua ineficácia como agente antioxidante”, relata.
Trazendo os achados para o mundo esportivo, o professor Gualano explica que poderíamos imaginar que atletas envolvidos em modalidades anaeróbias, que envolvem “tiros” intensos, por exemplo, e que se assemelham metabolicamente aos voos curtos da galinha, poderiam se beneficiar da carnosina muscular (cuja concentração pode ser elevada pela ingestão do aminoácido beta-alanina). O aminoácido beta-alanina é encontrado no mercado em forma em suplementos. Já aqueles envolvidos em provas longas, que demandam mais do metabolismo oxidativo, a exemplo do que ocorre com o beija-flor, não teriam tanta necessidade de apresentar altos níveis de carnosina.
O artigo A Comparative study of hummingbirds and chickens provides mechanistic insight on the histidine containing dipeptide role in skeletal muscle metabolism, foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
Mais informações: e-mails eimeardol@gmail.com, com Eimear Dolan, e gualano@usp.br, com o professor Bruno Gualano