Besouro que finge ser cupim é descoberto na Austrália

O Austrospirachtha carrijoi é um parasita social que cheira, se parece e age feito cupim como uma estratégia para obter alimento

 31/10/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 06/11/2023 as 13:28

Texto: Julia Custódio*

Arte: Simone Gomes

Na foto, espécie totalmente brasileira que também apresenta mimetismo visual de cupins, mesmo que menos extravagante que o apresentado pelo Austrospirachtha carrijoi. Esses besouros são da espécie Thyreoxenus alakazam, descrita pelos pesquisadores do Laboratório de Coleoptera – Foto: Cedida pelo pesquisador

Pesquisadores do Museu de Zoologia (MZ) da USP descobriram um novo tipo de besouro, o Austrospirachtha carrijoi, encontrado na Austrália e segundo do gênero Austrospirachtha. É uma espécie parasitária, pequena como outros insetos e normal à primeira vista. O que difere esses besouros da maioria dos coleópteros (ordem biológica) encontrados até hoje é sua capacidade de imitar física e quimicamente cupins. Essa característica atípica foi estudada em artigo publicado recentemente na revista Zootaxa. A espécie foi descoberta por Tiago Carrijo, doutor em Entomologia pela USP, quando o pesquisador estudava espécies de cupins na Austrália e encontrou o besouro infiltrado.

Bruno Zilberman, um dos autores do artigo, explica que esse besouro carrega o abdômen nas costas. O órgão é membranoso e inflado, com projeções laterais (chamados de pseudoapêndices), o que, ao olhar o inseto de cima, faz parecer que ele é um cupim. “O bicho criou um fantoche de cupim no próprio abdômen e ele usa isso para se camuflar dentro do ninho dos cupins”, diz o pesquisador do Laboratório de Coleoptera (LaC).

“Os besouros são geralmente esclerotizados [endurecidos], parecem uns tanques de guerra, por exemplo. Só que um certo tipo de adaptação desses bichos que vivem em cupinzeiros é justamente expandir o abdômen, ele fica inflado mesmo, o que o deixa membranoso. Essas membranas intersegmentares entre as partes esclerotizadas se estendem. E aí, durante a evolução, a parte membranosa foi sendo moldada à imagem de um cupim”, explica Bruno.

Bruno Zilberman – Foto: Arquivo pessoa

Apesar da semelhança física, os cupins são cegos e não enxergam a similaridade apresentada pelos besouros, porém, eles são bons na parte sensorial-tátil. A hipótese dos pesquisadores é que ao tatear o besouro intrusivo, mesmo com o tamanho maior, eles reconhecem a estrutura de um cupim. Além disso, o mimetismo visual também é uma estratégia dos A. carrijoi para enganar possíveis predadores, pois, olhando de cima, o besouro não se destaca. 

“Cupim alimentando o besouro (Thyreoxenus alakazam) através da trofalaxia estomodeal, isto é, ‘vomitando’ a comida na boca do besouro, contendo alimento semidigerido regurgitado e saliva” – Foto: Cedida pelo pesquisador

A mimetização dos cupins é por um motivo muito simples: enganar os insetos para poder viver dentro do cupinzeiro e ser alimentado. Além de se parecer com um cupim, o abdômen inflado produz substâncias químicas que se adaptam à camuflagem química do cupinzeiro parasitado.

“Os cupins, e a maioria dos insetos sociais, vivem em uma bolha química, um mundo sensorial químico. Além do mimetismo morfológico, os besouros também precisam mimetizar o ‘cheiro’ da colônia, e cada uma vai ter seu próprio ‘cheirinho’. A grande vantagem do besouro, além de ter o cheiro, é mostrar para os cupins que também é um deles e que o devem alimentar”, explica Carlos Moreno, coautor do estudo. Por fim, os besouros conseguem mimetizar o comportamento dos cupins, possibilitando que se comuniquem da mesma maneira que os insetos se comunicam entre si.

Apesar de parecer, cheirar e se comportar como um cupim, o A. carrijoi não trabalha como um. Essa espécie é considerada um parasita social, já que depende completamente da outra espécie para se alimentar e não oferece nenhuma vantagem para a colônia. “Ao invés de estarem se alimentando, os cupins estão gastando recursos alimentando o besouro, que sobrevive à custa dos cupins, isso é o parasitismo social”, afirma.

Carlos Moreno - Foto: Arquivo pessoal

Os pesquisadores explicam que a modificação do abdômen é pós-imaginal, ou seja, ao sair da pupa [estado entre larva e adulto] o besouro se parece com uma espécie de vida livre, e, só ao chegar ao ninho de cupins, hormônios engatilham o desenvolvimento secundário do abdômen membranoso. “Essa forma que vive dentro do cupinzeiro certamente não sobreviveria fora dele”, diz Bruno.

Foto: Cedida pelo pesquisador

Os hormônios que engatilham essa transformação são ingeridos pelo besouro por um processo de trofalaxia, usado pelos cupins na alimentação, e que consiste na digestão parcial do alimento e transferência de um inseto para outro através da boca. A trofalaxia também acontece entre cupim e besouro, já que acreditam que a espécie faz parte do ninho.

“Nem todos têm essa adaptação igual ao besouro que descrevemos. Esse bicho chegou ao extremo, mas tudo isso evoluiu gradualmente durante o tempo”, aponta Bruno.

Os pesquisadores apontam que essa espécie é muito rara, o que dificulta os estudos sobre o inseto, mas o LaC já está trabalhando para levantar a diversidade de besouros associados a cupins no mundo inteiro. O objetivo é entender a distribuição desses organismos, a evolução deles e a relação com os hospedeiros.

A primeira espécie de besouro associado a cupins foi descoberta em 1853 e, hoje, os pesquisadores acreditam ter mais de 600 espécies catalogadas e milhares a mais esperando para serem descobertas. “Agora, com esse trabalho, queremos descobrir qual é a fauna desses bichos no Brasil, que tenho certeza que é tão incrível quanto a que tem lá fora”, complementa Carlos.

Mais informações: e-mail brunozilberman@usp.br, com Bruno Zilberman

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.