Parada LGBTQIA+ fortalece cidadania, mas enfrenta desafios entre a política e o mercado

Especialista vê importância na visibilidade construída pelos eventos, mas observa mudança de foco ao longo das décadas

 Publicado: 11/06/2024
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Celebração em Ribeirão Preto comemora 20 anos de existência em 2024 – Foto: Freepik
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Em meio ao conservadorismo persistente em muitas cidades do interior do Brasil, as paradas LGBTQIA+ têm se afirmado como eventos importantes para a visibilidade e a luta por direitos da comunidade, como, por exemplo, a Parada LGBT de Ribeirão Preto, que comemora 20 anos em 2024. No entanto, ao longo dos anos, assim como nos grandes eventos das capitais, as celebrações no interior conquistam avanços mas enfrentam uma tendência à despolitização.

Em locais mais conservadores, a professora Marília Moschkovich, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP analisa que “[as paradas] têm esse lugar de marcar posição, de dizer: ‘Olha, não é porque aqui é um lugar conservador que não existem LGBTs. E se nós existimos, estamos aqui e demandamos coisas'”.

Fábio de Jesus – Foto: Arquivo Pessoal

Em Ribeirão Preto, por exemplo, o movimento foi importante para a criação do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual (CMADS), a inclusão de pautas do movimento nas políticas públicas de saúde e a promoção de delegados LGBTQIA+ em conferências municipais de saúde, segundo Fábio de Jesus, presidente da ONG Arco-Íris, organizadora do evento na cidade. “A parada vem para tentar quebrar esses preconceitos e esses tabus, mostrar que a nossa sociedade existe e que nós somos cidadãos.”

Preconceitos e tabus que, no município, não destoam do resto do País, pois apesar dos avanços nos direitos conquistados, o Brasil ainda se mantém como o que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIA+ no mundo, com 257 assassinatos em 2023, conforme levantamento do Grupo Gay Bahia. Só no Estado de São Paulo, foram 921 ocorrências relacionadas à LGBTfobia registradas pela Secretaria de Segurança Pública de janeiro a abril de 2024. 

Jesus observa que a exposição de eventos da comunidade na grande mídia sempre recebe retaliação dos mais conservadores. “Recebemos uma enxurrada de comentários homofóbicos.” Mesmo assim, o presidente da ONG enxerga resistência nos grandes eventos, servindo como “enfrentamento a qualquer tipo de preconceito. 

Esvaziamento de pautas

Na década de 1970, as paradas começaram a ser organizadas como atos políticos de reivindicação de direitos em um contexto em que a heteronormatividade era contínua e dominante, surgindo “como uma questão política, não só de reivindicar visibilidade num sentido mercadológico”, conta Marília. 

A partir dos anos 2000, contextualiza a pesquisadora, há um movimento de despolitização crescente e a participação de grandes empresas. “Elas [as paradas] foram se ‘mercadologizando’, sendo patrocinadas por grandes empresas, um fenômeno chamado pink money. Foi um reconhecimento de grandes players da economia global de que essa comunidade também tem dinheiro para gastar”, analisa. 

Marília Moschkovich – Foto: Arquivo Pessoal

A complexidade, para Marília, está na criação de um espaço dúbio, contraditório e disputado por diferentes grupos. De um lado, há aqueles que continuam lutando por direitos e questões políticas; de outro, há quem busque apenas visibilidade e celebração, “como se isso fosse resolver automaticamente todos os problemas”.

Essa despolitização, para Marília, afeta a abordagem adequada de demandas de membros de siglas mais marginalizadas dentro do próprio movimento. “Foram sendo apartadas de um debate, como se as questões econômicas, sociais e políticas não fossem definidoras da experiência LGBT na sociedade, como se LGBTs não tivessem desigualdades raciais e de classe entre eles, e até desigualdades dentro dos grupos da sigla”, aponta. 

*Estagiário sob supervisão de Ferraz Júnior

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