No ano de 1957, no período da Guerra Fria, a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) lançou o foguete Sputnik, o primeiro artefato criado pelo homem enviado ao espaço, dando início à corrida espacial. Com as atividades humanas na disputa pelo protagonismo na exploração espacial realizadas pela própria URSS e os Estados Unidos da América (EUA), surgiu o Direito Espacial, uma série de normas internacionais para regular a utilização e as ações realizadas no espaço cósmico.
O avanço da tecnologia ao longo do tempo e o surgimento das viagens espaciais turísticas fazem com que essas regras sejam atualizadas periodicamente. Segundo a base de dados da Union of Concerned Scientists, atualizada em maio de 2022, o número de satélites que orbitam a Terra é de 5.465, a maioria, 3.433 artefatos, enviada pelos EUA. A maior parte dos satélites artificiais é usada para comunicação no planeta. O Brasil possui hoje 13 satélites próprios e mais três que divide com China, EUA e Japão.
A utilização dos satélites é essencial para a vida humana na Terra, sem eles seria impossível a conexão de maneira simples e rápida, via internet, de qualquer lugar do mundo ou utilizar o GPS para atividades do dia a dia e também no controle de tráfego aéreo, por exemplo. Porém, recentemente, além dos satélites, outras atividades começaram a ganhar força, como as viagens espaciais de lazer, que já estão sendo vendidas a um valor acima dos US$ 100 mil.
Surgimento do Direito Internacional
Para impor alguns limites e manter o funcionamento das atividades, o Direito Espacial surgiu em 1957, baseado nas normas de Direito Internacional, e segue sendo atualizado conforme a necessidade. O Direito Espacial surge como um Direito positivo – conjunto de leis criadas a partir de um “contrato social” que rege a vida das pessoas e as instituições durante um período de tempo em um determinado local – com normas formalmente criadas e discutidas por organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), conforme explica o professor Caio Gracco Pinheiro Dias, especialista em Direito Internacional da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.
Dias conta que o fato de o Direito Espacial ter sido criado no período da Guerra Fria – disputa pela hegemonia mundial entre EUA e URSS após a Segunda Guerra Mundial e que chegou ao fim com a dissolução da União Soviética-, algumas ideias presentes na época ajudaram a moldar suas normativas. O intuito principal era proibir atividades militares no espaço cósmico e impedir que surgissem novos conflitos entre grandes potências mundiais devido à exploração da área.
O primeiro tratado multilateral com disposições sobre a utilização do espaço, segundo Dias, foi o Tratado de 1963, que proibiu testes nucleares no espaço cósmico e no mar, motivado pela preocupação com uma possível contaminação radioativa dessas áreas. Nele, são considerados alguns princípios desenvolvidos pela Assembleia Geral da ONU em uma série de resoluções que vêm sendo atualizadas ao longo do tempo.
Essas diretrizes também serviram de base para o Tratado de 1967, que engloba as atividades dos países na exploração e no uso do espaço cósmico, incluindo a Lua e outros corpos celestiais. Há também um acordo para resgate e devolução de astronautas, restituição de objetos lançados e a responsabilização por danos causados. Segundo Dias, tudo isso compõe o conjunto de tratados centrais do Direito Espacial.
As fronteiras espaciais
O espaço cósmico é considerado Patrimônio Comum da Humanidade, assim como as águas internacionais nos oceanos. Por conta disso, ele é aberto a todos os Estados, o que significa que os países podem estender sua soberania e se apropriar do espaço cósmico sem quebrar as normas do Direito Espacial.
O limite inferior – aquele que divide o espaço cósmico e o espaço aéreo de um país – , segundo o professor, ainda não é bem definido em normas internacionais. A ideia que mais se sustenta para limitar essas duas áreas é a linha de Kármán, localizada a uma altitude por volta dos 100 km acima do nível do mar, a partir de onde a atmosfera não consegue mais gerar sustentação aerodinâmica e qualquer objeto precisa alcançar a chamada velocidade orbital, cerca de 4 mil km/h, para conseguir se manter em voo, explica Dias.
Porém, segundo Dias, as Forças Armadas norte-americanas usam outro critério para definir essa fronteira. Eles consideram o ponto de órbita de um astro ou satélite em torno da Terra que se encontre mais próximo do planeta. Essa distância corresponde a algo em torno de 130 km e 150 km de altitude. Para o professor, ter essa definição seria importante para entender se um objeto que circula entre a linha de Kármán e os 130 km utilizados pelos EUA estariam ou não violando o espaço aéreo de um país.
Utilização comercial do espaço cósmico
Recentemente, além das pesquisas e posicionamento de satélites no espaço, atividades comerciais entraram na pauta de grandes empresas, como as viagens turísticas. Conforme explica Dias, desde que uma empresa tenha a autorização de algum Estado para realizar essa atividade, ela é totalmente permitida e a empresa é a responsável por qualquer prejuízo causado. “Isso está dentro da cláusula de liberdade de uso e de exploração do espaço”, explica o professor.
Um dos pontos controversos é o fato de a atividade econômica poder prejudicar a pesquisa. “Algo que pode ser verificado é quando as constelações de satélite da Starlink, provedora de serviços de internet da SpaceX, acabam interferindo em observações espaciais feitas a partir da superfície do planeta, então aqui temos um problema de coordenação dessas atividades, porque é pressuposto que um uso do espaço não possa prejudicar outros usos do espaço”, analisa o professor.
A grande preocupação, segundo Dias, ainda é sobre o uso em caso de conflitos, uma vez que o espaço cósmico tem uma importância estratégica, não no sentido de ocupação de território, mas porque nele estão os satélites artificiais que carregam uma gama de atividades cruciais para o modo de vida da sociedade e sem eles não seria possível prever localizações ou ter uma comunicação eficiente em grandes distâncias, por exemplo. “Isso faz com que o espaço cósmico, em caso de conflito entre as grandes potências, se torne um “teatro de operações”. A Rússia já demonstrou capacidade de distribuir satélites com mísseis lançados da Terra, o que mostra que o risco é real no caso de conflito”, conclui o professor.
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