Democratização da indústria musical não é garantia de sucesso

Artistas independentes usam streaming e redes sociais, mas se deparam com baixa remuneração e dificuldade de equilibrar autopromoção com processo criativo

 03/10/2023 - Publicado há 8 meses     Atualizado: 04/10/2023 as 9:39
Por
Embora as redes sociais e as plataformas de streaming tenham dado aos artistas uma liberdade sem precedentes, o cenário não é totalmente cor-de-rosa – Foto: Freepik
Logo da Rádio USP

A facilidade com que os artistas podem alcançar seu público-alvo diretamente, sem a necessidade de intermediários, está remodelando a paisagem musical. Prova disso é que o mercado da música independente continua numa curva de crescimento significativa pelo quarto ano consecutivo, segundo análise da British Phonographic Industry (BPI). Gravadoras que costumavam lançar todos os hits e tops da Billboard como a Universal Music, Sony Music, Elektra Records e Atlantic Records agora dividem espaço com músicos como Lily Allen, Luan Santana e bandas como Arctic Monkeys e Calypso, que mostram outros caminhos possíveis para alcançar a atenção do público. Essa mudança na dinâmica da indústria musical é atribuída à crescente presença das redes sociais.

Um desses novos artistas que encontraram espaço para divulgação longe das gravadoras é Orlando Miotto, vocalista e guitarrista da banda Astrônico, que de Ribeirão Preto consegue divulgar seu trabalho para todo o mundo. “As redes sociais são o principal meio de promoção para artistas independentes, onde podemos nos conectar diretamente com o público e compartilhar nossa música.” Para o artista, outra mudança drástica na indústria da música são as plataformas de streamings. “É como se a música tivesse trocado seus CDs por milhões de fones de ouvido em todo o mundo.”

Marcos Vinícius Miranda dos Santos – Foto: FFCLRP

O professor Marcos Vinícius Miranda dos Santos, do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto, explica essa revolução. “O mercado físico, como CDs e DVDs, praticamente desapareceu. Hoje, alguns artistas mais jovens estão até lançando LPs, abraçando uma abordagem mais retrô que atrai colecionadores. No entanto, a plataforma digital democratizou o acesso à produção de música. Você não precisa mais de um grande estúdio ou gravadora para alcançar as massas com seu trabalho.”

A transformação digital da indústria musical trouxe consigo o crescimento exponencial das plataformas de streaming, como Spotify, Apple Music e Amazon Music. De acordo com relatórios recentes da International Federation of the Phonographic Industry (IFPI), o mercado global de streaming de música cresceu impressionantes 7,4% em 2022. Essas plataformas oferecem acesso instantâneo a um vasto catálogo de músicas de artistas independentes e estabelecidos, democratizando o consumo musical como nunca antes.

Embora as redes sociais e as plataformas de streaming tenham dado aos artistas uma liberdade sem precedentes, o cenário não é totalmente cor-de-rosa. Santos observa: “As plataformas digitais, assim como serviços como Uber, exploram os trabalhadores finais, mantendo uma parcela substancial dos lucros para si mesmos. Essa migração das grandes gravadoras para as grandes plataformas de streaming também resultou em repasses mínimos para os artistas e profissionais da música.”

De acordo com a Recording Industry Association of America (RIAA), em 2022, o streaming representou 87% das receitas da indústria musical dos Estados Unidos, atingindo US$25,9 bilhões. No entanto, a distribuição desigual desses ganhos é uma preocupação. A maioria dos artistas independentes enfrenta desafios financeiros significativos, com uma parcela considerável das receitas ainda indo para as gravadoras e as próprias plataformas de streaming.

Isso levanta questões sobre a sustentabilidade econômica para artistas independentes, que muitas vezes dependem de turnês e até mesmo de outras fontes de receita para complementar sua renda. A pesquisa da MIDiA Research, feita em 2021, sugere que, em média, os artistas independentes ganham cerca de US$0,003 a US$0,005 por reprodução de música em plataformas de streaming, o que significa que eles precisam de milhões de streams para obter um ganho substancial. Portanto, embora a independência ofereça liberdade criativa, o desafio financeiro persiste.

Desafios da Era Digital

Miotto identifica dois desafios significativos para os artistas independentes na era digital. Em primeiro lugar, o vasto mar de conteúdo e informações disponíveis na internet torna difícil se destacar e atrair a atenção do público-alvo. Em segundo lugar, os artistas independentes agora são sobrecarregados com múltiplas funções, incluindo a promoção de seu trabalho, ou tarefas muitas vezes completamente diferentes de sua ocupação original como artistas.

Orlando Miotto – Arquivo Pessoal

Essa mudança de foco pode ser esmagadora e, em última análise, prejudicar a qualidade de sua criação musical. Muitos artistas independentes se veem divididos entre a busca pela excelência artística e as demandas constantes da promoção e gestão de suas carreiras. Dados do Independent Music Companies Association (IMPALA) mostram que a maioria dos artistas independentes gasta cerca de 20% a 30% de seu tempo em tarefas de promoção e administração, tempo que poderia ser dedicado à criação.

Diante desses desafios, Orlando Miotto destaca a importância da assessoria especializada para os artistas independentes. Essa orientação não apenas ajuda a navegar pelos complexos aspectos da promoção e gestão de carreira, mas também permite que os artistas se concentrem em sua verdadeira paixão: criar música. Nesse cenário, profissionais de assessoria desempenham um papel crucial ao aliviar parte do fardo administrativo e permitir que os artistas explorem todo o seu potencial criativo.

Para o professor, a USP tem desempenhado um papel fundamental na formação de futuros artistas para enfrentar os desafios da indústria musical em constante evolução. “Nossos alunos estão diversificando suas carreiras, desde música erudita e orquestras até realização de eventos e  aulas como professor. Alguns até estão compondo para séries na Netflix. Encorajamos nossos alunos a explorar todas as possibilidades e caminhos disponíveis”, conclui Santos.

*Sob supervisão de Ferraz Júnior


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.