Guerra civil na Etiópia coloca frente a frente Nobel da Paz e nativos de etnia local 

Paulo Borba Casella explica que a Constituição etíope prevê o direito de autodeterminação dos povos e acredita que a melhor forma de interferência de outros países é por meio da ONU

 08/01/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 20/01/2021 as 16:58
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Pessoas protestando contra a guerra civil na Etiópia – Foto: Reprodução: Getty Images/BBC News Brasil

Recentemente, estourou um conflito violento na Etiópia, envolvendo as forças do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali, e a etnia local Tigray. O conflito já deixou centenas de mortos, incluindo civis. A cobertura do conflito pela imprensa é dificultada pela proibição da entrada de jornalistas. Além disso, houve interrupção nos serviços de internet e comunicação do país e faltam remédios para a população.

Essa guerra é promovida pelo vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2019, o primeiro-ministro da Etiópia. Na ocasião, Abiy Ahmed Ali foi reconhecido por seus esforços em acabar pacificamente com o conflito da Etiópia contra a Eritreia. Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito (FD) da USP, acredita que a promoção da guerra por esse líder político “é uma grande contradição”.

O conflito conta com um histórico de tensões entre Abiy Ali e a etnia Tigray. Após ser eleito primeiro-ministro, em 2018, ele dissolveu o sistema federalista etíope, o que tirou força do partido historicamente dominante, Frente de Libertação Popular (FLPT), que é um partido nacionalista ligado aos Tigray. O governante tirou nomes importantes da FLPT do governo quando dissolveu a coalizão multiétnica que existia no país. Além disso, outro fator que motivou o início do conflito aconteceu quando o povo Tigray fez eleições regionais mesmo após o governo central decretar que elas seriam adiadas por conta da pandemia. O governo etíope afirmou que as eleições foram ilegais.

Casella destaca que “a Constituição etíope prevê o direito de autodeterminação dos povos, o que pode chegar até a secessão, ou seja, quando um grupo se separa de um Estado para criar outro independente”. Para ele, caso a etnia Tigray reivindicasse a separação da Etiópia, haveria uma votação e procedimentos para a aprovação do pedido. “Mas, provavelmente, se isso chegar a ser cogitado, vai encontrar resistência e tentativa de persuasão. É algo que está na Constituição, mas é preciso ver se isso funciona na prática”, pontua o especialista.

A Etiópia fica no Chifre da África, região de alto interesse de grandes potências por possuir uma grande quantidade de petróleo. Países como EUA e China têm bases militares instaladas na região. Casella acredita que a melhor forma de interferência de outros países na guerra é por meio de um encaminhamento para discussão no Conselho de Segurança da ONU, para que haja uma multilateralidade na tentativa de solução do conflito. “É melhor do que deixar EUA, Rússia, China chegarem e darem as cartas na região”, diz o professor.


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