Estado tem responsabilidade em guerra de facções, diz especialista

Camila Nunes Dias, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, defende que o governo deveria investir em medidas preventivas em vez da repressão de detentos

 09/08/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 12/08/2019 às 10:33
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A briga entre as facções Comando Classe A (CCA) e Comando Vermelho (CV), dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará, foi a guerra mais violenta por domínio do tráfico de drogas em presídios do país dos últimos anos. O massacre resultou em 58 detentos mortos, sendo que 16 deles foram decapitados. A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará confirmou que os crimes foram motivados por disputas de território dentro da unidade prisional e, segundo a polícia, o objetivo era mostrar que se tratava de um acerto de contas entre os dois grupos envolvidos, e não um protesto ou rebelião dirigido ao sistema. O governo informou que não havia qualquer indicativo do setor de inteligência da Superintendência sobre o ataque.

Além do CCA e do CV, vários outros grupos criminosos exercem forte influência sob algumas regiões do Brasil, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a Família do Norte (FDN), das regiões norte e nordeste. O Jornal da USP no Ar conversou sobre o assunto com a pesquisadora Camila Nunes Dias, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), e autora do livro A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, escrito em conjunto com Bruno Paes Manso. Ela conta que “a guerra no Pará não apresentou aspectos novos, pois o controle de presídios brasileiros por facções acontece há mais de uma década. Isso ocorre especialmente no norte e nordeste, onde existe muita fragmentação entre esses grupos e portanto se cria um ambiente mais propício para conflitos”.

O acontecimento no Pará reacendeu a discussão sobre as condições de encarceramento no país. A especialista conta que “a grande maioria dos presos é apenas submetido ao contexto da prisão e acabam sendo classificados como membros das facções, mas não tem um engajamento direto com elas. Pelo menos 40% dos que foram mortos em Altamira estavam lá provisoriamente, condenados apenas em primeira instância – o que também chama atenção para a banalização desse tipo de prisão no país. A morte de pessoas em prisões no Brasil é tida como algo trivial, inclusive por parte do governo, e a violência que ocorre entre detentos é um reflexo de como essa parcela da população é vista pela sociedade e autoridades”.

Camila defende que o Estado é responsável pela conjuntura atual do sistema carcerário, mas não consegue conter a influência de facções nos presídios e não se responsabiliza pelos danos causados. Uma estratégia usada para tentar mudar esse cenário é a transferência de lideranças para presídios de isolamento. No entanto, a especialista adianta que esse método não é eficaz: “há um equívoco em afirmar que essa solução é efetiva, pois muitas vezes as autoridades não sabem quem são de fato os líderes. Mesmo com a transferência, os grupos se reorganizam e novos líderes surgem e se empoderam”.

A providência mais recente tomada pela Polícia Federal em combate às facções aconteceu no dia 6, com uma operação que desarticulou um núcleo financeiro vinculado ao PCC. A autora explica que esse tipo de ação é mais efetiva, mas que ainda não resolve o problema. Criar mais centros de detenção também não seria eficiente, pois “temos muitos presos no sistema e que ficam detidos por um tempo muito longo, às vezes mais do que o necessário. Essas medidas são o mesmo que enxugar gelo: totalmente paliativas”.

A saída, segundo a pesquisadora, é a prevenção desse cenário por meio da educação. “Um conjunto de medidas preventivas seria ideal, com investimentos em uma escola pública de qualidade e no acesso a cultura, saúde e esporte, sobretudo quando se trata do jovem em situação de vulnerabilidade – tudo que, infelizmente, vai na contramão do que o governo defende hoje”, diz.


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