Hoje vista com extrema cautela e embaralhada numa série de preocupações éticas, a edição genética de seres humanos para fins terapêuticos deve se tornar comum nos próximos anos, permitindo o tratamento e até mesmo a cura de uma série de doenças, segundo a geneticista Mayana Zatz. “Acho que daqui a dez anos vai ser rotina”, disse a pesquisadora na última edição do USP Talks, que debateu os limites éticos da manipulação genética de seres humanos.
A primeira aplicação deverá ser no tratamento de doenças que afetam o indivíduo adulto, segundo o biólogo Fernando Reinach, que também participou do evento. “Depois, vão começar a pensar em mexer em embrião”, disse. “Só que tem um problema sério aí: como é que você pega autorização de um embrião?” A evolução da tecnologia, segundo ele, vai depender de como a sociedade vai reagir às questões éticas associadas a esse tipo de intervenção genética em células embrionárias — cujas alterações se tornam permanentes e serão passadas para as próximas gerações.
Ainda que o objetivo seja proteger a saúde dos embriões, há uma série de questões éticas e técnicas que ainda precisam ser resolvidas, segundo os especialistas.
As apresentações de Mayana e Reinach podem ser vistas aqui, assim como os vídeos de todos os eventos anteriores do USP Talks, desde 2016. Realizado em 30 de abril, este foi o primeiro de uma série de nove eventos que vão ocorrer até dezembro deste ano; cada um deles sobre um tema diferente, sempre no auditório do Museu de Arte de São Paulo (Masp). A programação é anunciada mês a mês nas redes sociais e no site institucional do USP Talks.
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Mayana criticou a atitude do cientista chinês He Jiankui, que no ano passado editou o genoma de embriões humanos para torná-los resistentes ao vírus da Aids. A pesquisa foi feita de forma furtiva, sem as autorizações éticas necessárias, e num momento em que a segurança da técnica ainda não está totalmente comprovada. Além da mutação desejada, segundo ela, é possível que outros genes tenham sido alterados ao acaso, com consequências imprevisíveis.
“Esse é o grande risco, e por isso não se permite ainda fazer a edição de genes em embriões”, disse Mayana, que é professora titular do Instituto de Biociências (IB) e coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP. “Enquanto a gente não tiver essa certeza, a gente ainda não vai permitir.”
O que não significa, porém, que a tecnologia não possa ser refinada e aplicada com segurança no futuro. “Essa técnica pode revolucionar o tratamento de doenças genéticas”, apostou Mayana.
A técnica, neste caso, é conhecida como CRISPR (“crisper”), uma espécie de software molecular, aperfeiçoado nos últimos anos, que permite fazer modificações pontuais no genoma de qualquer organismo, de forma muito mais simples, rápida e precisa do que era possível até recentemente, com base nas técnicas anteriores.
“Do mesmo jeito que você edita um texto, você pode editar o genoma de uma pessoa”, comparou Reinach, que foi professor titular dos institutos de Química e Ciências Biomédicas da USP. Um dos pioneiros da genômica e da biotecnologia no Brasil, ele destacou em sua apresentação que mexer no genoma de outras espécies não é novidade: o homem vem fazendo isso há pelo menos 20 mil anos, desde que começou a domesticar plantas e animais. A diferença é que agora, com o CRISPR, a técnica se tornou tão precisa e tão sofisticada que as implicações éticas do seu uso também ganharam nova proporção.
“Historicamente, sempre que tem uma tecnologia nova aparecem as vantagens e os riscos”, disse Reinach. “Estamos numa situação (com a edição genética via CRISPR) em que a humanidade sabe fazer, sabe o que precisa mexer e consegue prever razoavelmente bem o que vai acontecer”, completou. “Aí cabe a nós decidir o que a gente quer fazer com isso.”
O USP Talks é uma iniciativa da Universidade de São Paulo, realizada com suporte da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP). Todos os eventos são gratuitos e abertos ao público.