A Câmara dos Deputados analisa a viabilização de um novo Código de Processo Penal. O texto retira da lei o trecho do artigo 283, que prevê que ninguém poderá ser preso antes do trânsito em julgado do processo, ou seja, antes do momento de uma decisão definitiva, em que todos os recursos se esgotam. O novo texto ainda traz outro artigo, que autoriza a execução da pena após decisão colegiada, o que ocorre na segunda instância recursal.
Para Maurício Zanoide, professor do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito (FD) da USP, a decisão pode provocar efeitos severos na população. Ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor explica que a população precisa estar ciente do ônus que vai enfrentar caso ocorra a aprovação do texto, cuja proposta já foi discutida pelo Supremo Tribunal Federal em anos anteriores. Zanoide conta que o STF julgou necessário, em 2009, que houvesse suspensão da pena enquanto os tribunais superiores julgassem o caso. Em 2016, o STF muda de posição novamente e diz que é possível a prisão após a condenação em segunda instância. “Em 2019, o STF é chamado de novo à discussão e, com base no novo artigo 283, ele discute o mesmo dispositivo constitucional e muda de posição novamente. É impossível não se observar essas mudanças sem reconhecer que elas só ocorreram porque houve uma pressão política muito grande”, afirma.
O professor observa que houve um aumento substancial de presos provisórios sem trânsito em julgado cumprindo pena. “Esse aumento foi cada vez mais progressivo e, se nós juntarmos os presos provisórios em execução provisória e os presos provisórios que estão cumprindo, por exemplo, prisão preventiva, temos aproximadamente que 60% dos presos no sistema carcerário são presos provisórios”, ele conta, afirmando que o aumento dos presos provisórios gera um custo muito alto para o Estado. “Um sistema de justiça saudável não pode ter mais de 60% dos presos do seu sistema em regime provisório, isso significa que o processo demora para ser julgado, que existe com certeza uma grande dose de impunidade no sistema, dos que estão presos esperando julgamento e impunidade para aqueles que não são presos, porque só os mandados de prisão que não foram cumpridos, temos mais de 300 mil.”
O outro artigo do novo texto do Código de Processo Penal discutido na Câmara autoriza a execução da pena após decisão colegiada, ou seja, por um grupo de juízes, o que ocorre na segunda instância recursal. O professor Zanoide explica que isso significa que a execução provisória da pena vai se dar após o julgamento ocorrido normalmente nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais, “sem a necessidade de se ir ao STJ ou ao STF, mas isso não retira o direito das pessoas pleitearem habeas corpus”. Para ele, “para diminuir a impunidade, eu não tenho que tirar as travas de segurança do sistema para ter uma decisão segura, preciso fazer o sistema ser mais eficiente, fazer com que os inquéritos policiais demorem menos, e, para isso, preciso investir na polícia investigativa, na polícia civil, preciso fazer com que os processos judiciais sejam menos burocratizados, mais ágeis”.
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