Projeto criado para garantir imparcialidade de juízes gera discórdia

Professores comentam sobre a figura do “juiz de garantias” e os limites da relação entre juízes e promotores

 28/06/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 29/10/2019 as 9:50
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Desde que foram vazadas as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, os limites da atuação de um juiz ao longo de um processo judicial tornaram-se pauta recorrente no noticiário brasileiro. Até que ponto o responsável por julgar o caso pode estar em contato tanto com a acusação quanto com a defesa sem que perca a imparcialidade? Na tentativa de criar uma visão holística sobre esse questionamento e analisar como ele se expressa no Código Penal brasileiro, o Jornal da USP no Ar conversou com os professores Gustavo Badaró e José Rogério Cruz e Tucci, da Faculdade de Direito (FD) da USP.

Não somente o Código de Processo Penal (CPP), mas também a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LGMN), expressam que caso um juiz aconselhe qualquer uma das partes do processo, ele será considerado suspeito, deverá ser afastado da causa e os atos praticados por ele serão anulados, comenta Badaró, que integra o Departamento de Direito Processual Penal da FD.

Ele explica que isto sempre foi ponto pacífico, pois sempre se reconheceu a suspeição nesses casos. O diferencial no caso entre Moro e Dallagnol é o fato do questionamento sobre a imparcialidade partir de um conteúdo externo ao processo. “Esta questão veio à tona por causa da obtenção – a princípio ilícita – de conversas feitas fora dos autos. O problema não é definir se gera ou não a suspeição, gera e isso está claro. A questão nesse caso é verificar a autenticidade das mensagens.” Para o professor, se as mensagens forem confirmadas como verdadeiras, o ex-juiz ultrapassou o limite do que seria um contato institucional aceitável.

Foto: via Pixabay-CC

Criada com a intenção de assegurar de forma mais consistente a imparcialidade do julgador, o Projeto de Lei (PL) 156 de 2009 tramita no Congresso Nacional. A proposta altera o CPP e cria a figura do “juiz de garantias”, um cargo destinado a atuar na fase anterior ao processo, proferindo decisões durante o decorrer da investigação policial. Desta forma, uma vez encerrado o inquérito policial e iniciado o processo, ficaria a cargo de outro juiz atuar como julgador da causa, garantindo maior imparcialidade.

Segundo Badaró, a figura do juiz de garantias é comum em diversos países e é necessário que esses juízes sejam duas pessoas distintas. “Nesse ponto nossa legislação está atrasada, tem um modelo que coloca em risco a parcialidade do julgador, porque permite que o mesmo juiz que atuou desde a investigação vá julgar a causa depois”, afirma.

Mesmo pontuando que não há nenhuma ligação com o vazamento das mensagens feito pelo jornal Intercept Brasil, o ex-diretor da FD – José Rogério Cruz e Tucci – comenta que esse projeto de lei está tentando reinstituir no Brasil a figura do juiz instrutor, que já existiu num passado remoto. Para Tucci, essa é uma ideia da qual discorda muito e considera reacionária, relembrando inclusive que, na década de 40, a figura do juiz instrutor era muito ligada ao regime fascista.

Ele afirma que sempre houve esse contato entre as partes do processo e a própria LGMN coloca que o juiz tem o dever de atender as partes por intermédio de seus advogados. Caso sejam cometidos abusos e perda de imparcialidade, já existem meios de repreensão através do Tribunal de Justiça. “Hoje, a Ciência Processual é moldada – entre outros princípios – pelo princípio da cooperação, o diálogo entre as partes deve existir. É assim que o jogo se desenvolve, mas sempre num tabuleiro limpo, é essa é a questão fulcral”, conta. 


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