O caso da USP serve de exemplo. A Universidade perdeu, de 2014 a 2023, em torno de mil dos seus quase seis mil docentes. Em algumas unidades a perda é muito mais significava, em termos porcentuais, do que outras. Claro que algum nível de mobilidade e intercâmbio profissional entre instituições é saudável e ocorre com frequência em centros acadêmicos competitivos mundo afora. Também é evidente que as saídas por aposentadoria são um movimento natural, desde que não aconteçam de forma precoce e que haja reposição. Mas as perdas para outros mercados, sobretudo mercado acadêmico privado, exigem reflexão e medidas concretas. Se houver desbalanceamento significativo entre perdas e ganhos, em função da evasão de profissionais ser maior em número e qualidade do que a reposição, é evidente o risco de que as universidades públicas venham a hipotecar seus futuros como instituições de alta excelência.
Um novo risco para a carreira universitária se avizinha e causa preocupação legítima, expressa em petição organizada pelos autores com mais de dois mil signatários. Trata-se da votação da liminar referente ao subteto remuneratório da carreira, em data ainda a ser definida, no âmbito do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Como se sabe, uma liminar acatada pela presidência do STF em 2020 alterou a referência de teto remuneratório da carreira docente. Do subteto do governador, passou a vigorar o teto do Judiciário Federal, em condições de igualdade ao que se aplica nas universidades federais brasileiras.
A aprovação da liminar evitará cortes salariais para muitos docentes dos grupos de professore(a)s titulares e de associado(a)s. A derrogação da liminar produzirá efeito contrário, em termos salariais, e uma sensação legítima de falta de isonomia com os pares das universidades federais. Há situações peculiares, como é da USP em São Carlos e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em que a distância que separa as distintas realidades remuneratórias é de apenas uma avenida. Basta atravessar a avenida que separa as duas instituições e a realidade do teto remuneratório se altera drasticamente. Impossível não antever o efeito de desestímulo aos docentes em posição de liderança, sendo mesmo possível uma ampliação de solicitações de aposentadorias precoces, sem a possibilidade de reposição de quadros com a mesma experiência.
O efeito é mais direto no estrato superior da carreira. No entanto, a derrogação da liminar gerará um efeito em cascata que afetará também os docentes em início de carreira. A perspectiva de salários rebaixados no topo das carreiras soma-se aos efeitos de salários baixos no início da carreira. É como se a medida eliminasse o efeito benéfico de compensação intergeracional. Uma remuneração mais atraente no fim da carreira teria, ou terá a depender do resultado, o dom de compensar os sacrifícios no início da carreira.
Neste sentido, é preciso evitar que a adequação constitucional de teto da carreira docente no nível estadual gere um jogo de soma zero entre a carreira de antigos e jovens professores. O contexto pede que se pense a valorização da carreira como um todo, em todas as suas etapas e por meio de um espectro mais amplo de ações. A questão salarial é uma dimensão importante, embora não seja a única, neste esforço de valorização da carreira. É torcer para que a votação do teto remuneratório resulte em isonomia entre docentes das universidades estaduais e federais. A única forma de manter a excelência das estaduais paulistas é por meio da manutenção de uma carreira sólida e atraente. É isto que estará em jogo nesta votação do Supremo.
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