Obrigada, professora Helô!

Por Johanna W. Smit, professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 06/03/2023 - Publicado há 1 ano
Heloisa Bellotto - Foto: Reprodução You Tube
Johanna W. Smit – Foto: Arquivo pessoal

Desde a manhã do dia 2 de março li inúmeras vezes, em diferentes meios sociais, “perdemos Heloísa Bellotto”. Sim, perdemos sua convivência, ela não está mais entre nós, o que deixou muita gente muito triste, grupo no qual me incluo.

Mas, uma vez o choque da tristeza um pouco amortecido, me acostumando com a ideia de não poder mais pedir sua opinião (quantas vezes pedi orientação? discussão de conceitos? sugestão de bibliografia?), tento agora pensar no que ganhamos. Mais de seis décadas de uma vida cultural, intelectual, profissional e acadêmica preenchidas com muito entusiasmo, muita garra, elegância e bom humor: como sintetizar tudo isto?

Sua formação acadêmica tem início em 1955, com graduação em biblioteconomia pela FESP e em História pela USP. Sua formação foi adquirindo um caminho próprio e mais definido quando ela cursou diferentes cursos de especialização na área dos arquivos na França, Espanha e Estados Unidos, culminando com seu doutorado em História Econômica, novamente pela USP (1976). A relação entre os documentos, insumo da História, desde que preservados e organizados de acordo com regras fornecidas pela arquivologia, determinaram seus interesses profissionais até as últimas semanas de vida.

Impossível mencionar todas as atividades que constam de seu currículo Lattes, que dá uma ideia de quão intensa foi sua vida profissional, implantando ou colaborando na implantação de cursos de graduação em Arquivologia na UnB e Unesp (campus de Marília), lecionando nos cursos de Arquivologia da Unirio e como professora visitante na Universidade Clássica de Lisboa (Portugal) e Universidad Internacional de Andalucia (Espanha). Heloísa ainda exerceu atividade intensa em diferentes cursos de especialização na área arquivística, graduação em Biblioteconomia (Escola de Comunicações e Artes da USP e Fesp), sem descuidar de seu ensino vinculado à História – curso de História da Unesp (campus de Assis) e pós-graduação em História Social da USP.

Merece especial destaque sua consultoria junto ao projeto Resgate, do Ministério da Cultura do Brasil, atuando na descrição dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa, Portugal).

Sua alma mater uspiana teve o privilégio de contar com imensa e inesgotável vontade de colaborar em prol dos arquivos, da arquivologia e sua relação com os documentos ditos históricos. Foi assim que ela batalhou (termo mais forte que “colaborou”) ativamente pelos arquivos no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e mais recentemente no projeto de organização da Coleção Cisplatina na Biblioteca Brasiliana. Suas assessorias e participação em conselhos editoriais, diferentes comissões, além de inúmeras palestras e participações em congressos no Brasil, América do Sul, África e Europa, ilustram sua dedicação à formação, orientação, pesquisa e divulgação da arquivologia.

Destaque-se ainda que ela publicou muitos livros, artigos, papers em anais de congressos: Heloísa não está mais entre nós, mas seus ensinamentos continuam presentes, graças às inúmeras publicações! Orientações de mestrado e doutorado, além da participação em bancas de pós-graduação foram outros momentos inesquecíveis de trocas e ensinamentos. Destaque-se, ainda, sua assessoria na formatação do Saesp (Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo) e nos trabalhos das Associações dos Arquivistas de São Paulo: até recentemente ela encaminhou uma série de sugestões para um evento que está sendo organizado: que perda!

Em relação à USP sinto-me no dever e na obrigação de relembrar duas atividades complementares e essenciais: sua ativa participação na criação do curso de especialização em Organização de Arquivos que, entre 1986 e 2008, em 21 edições, sediado no IEB e em alguns anos em colaboração com a ECA, formou quase 600 alunos que tinham nela uma referência indiscutível. Em colaboração permanente com Ana Maria Camargo, o curso desempenhou papel essencial na formação de profissionais com sólido embasamento teórico que, por quase todos os estados brasileiros, engajaram outros na paixão pelos arquivos pois conscientes de sua importância. 

O Curso de Especialização, no entanto, enfrentava uma questão prática, à medida que a USP, enquanto instituição, não propiciava um laboratório que mostrasse a aplicação da teoria à prática (o que não significava que não existiam iniciativas e ações muito bem direcionadas no contexto da Reitoria e de algumas unidades), mas a USP não tinha um Sistema de Arquivos para chamar de seu. Após diferentes iniciativas, a Reitoria designou uma comissão para elaborar um projeto de implantação de um Sistema de Arquivos. A solidez do conhecimento teórico e experiências práticas de Heloisa Bellotto e Ana Maria Camargo foram determinantes na elaboração do projeto e sua subsequente aprovação em 1997. Quantas reuniões foram necessárias? Quanto trabalho para elaborar os primeiros instrumentos de gestão do Sausp? Heloísa elaborou um glossário de espécies, tipos e formatos documentais, indispensável para entender a produção documental uspiana em sua especificidade. Nascido como projeto, o Sausp adquiriu mais tarde assento no organograma institucional e uma sede: o Arquivo Geral da USP, que dedica uma de suas salas àquela que desde o início generosamente gastou seu tempo apoiando e orientando o Sausp: que privilégio!

Total engajamento na paixão pelos arquivos, muito bom-humor, generosidade para ensinar, emprestar livros ou convidar para um almoço (como cozinhava!), foi tudo isto que ganhamos com a passagem de Heloísa Liberalli Bellotto pela nossa vida, beneficiando a arquivologia brasileira, com muitas interlocuções com arquivistas de outros países, sendo que a USP recebeu uma cota imensa desta importante contribuição: obrigada, professora Helô!

 

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