Livro didático é coisa séria!

Por Cláudia Valentina Assumpção Galian, professora da Faculdade de Educação da USP

 18/08/2023 - Publicado há 8 meses
Claudia Galian – Foto: Arquivo pessoal
No Estado de São Paulo, diante de iniciativa do governador Tarcísio de Freitas e de seu secretário da Educação, Renato Feder, os livros didáticos têm sido tema de inflamadas discussões. Isso porque a referida iniciativa, por hora retirada de cena em função de uma decisão da Justiça de São Paulo, incide sobre a seleção dos conhecimentos a serem abordados nas escolas e, portanto, sobre as escolhas que professoras(es) fazem para configurar suas aulas.

Não se desconsideram aqui os riscos atrelados à iniciativa do governo do Estado de São Paulo, associados à desconsideração do processo de consolidação do Programa Nacional do Livro Didático, que busca historicamente aferir a qualidade dos materiais didáticos que chegam às escolas; à restrição desses materiais; à impressão de esquemas gráficos empobrecidos do ponto de vista conceitual e pedagógico; ao acesso vergonhosamente diferenciado dos estudantes da rede pública estadual à internet; dentre outros aspectos já destacados por muitas(os) pesquisadoras(es) e professoras(es), em artigo recém-publicado no Jornal da USP, em moção da Faculdade de Educação da USP e na Nota Técnica da Rede Escola Pública e Universidade. Neste texto, porém, a questão é analisada do ponto de vista do currículo.

A produção de livros didáticos representa importante papel no processo curricular. Entender o currículo como um processo remete à ideia de responsabilidades compartilhadas por diversos profissionais que atuam em dimensões distintas, desde a concepção das propostas curriculares até a definição de conteúdo e forma das aulas que se desenvolvem nas escolas. Entre essas duas pontas do processo curricular – a produção de documentos oficiais e o desenvolvimento das aulas – estão outras tantas, dentre elas a produção de livros didáticos.

Há muito que se sabe que esses materiais têm importância no delineamento do trabalho docente. Professoras(es) relacionam-se com esses materiais de formas muito diferentes, com maior ou menor autonomia, a depender das condições em que desenvolvem seu trabalho e da segurança que sua formação, tanto inicial quanto continuada, lhe garante. Diante das condições adequadas, as(os) professoras(es) podem realizar boas escolhas pedagógicas – em outras palavras, escolhas que busquem promover a aprendizagem de todas(os). Entretanto, não é essa a realidade para muitas(os) dessas(es) profissionais. Daí a relevância de se ter muito cuidado com a qualidade dos recursos didáticos que chegam às escolas.

Em síntese, as(os) professoras(es) têm centralidade na definição do currículo e precisam encontrar condições para desenvolver o seu trabalho. Embora bons livros didáticos não representem a solução frente às muitas fragilidades que essas(es) profissionais e as(os) estudantes encontram em seu cotidiano, são ferramentas importantes, que podem contribuir para a realização de escolhas didáticas e curriculares potentes. Escolhas que só essas(es) professoras(es) podem fazer, no diálogo com estudantes, nas condições reais em que atuam.

Como conclusão, fica a ideia – nada surpreendente – de que os recursos vultosos que se pretende destinar às péssimas alternativas aos livros didáticos já avaliados e aprovados pelo PNLD sejam destinados à melhoria das condições de trabalho do corpo docente da rede pública estadual de São Paulo.

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