Alunos que cursaram integralmente o Ensino Médio em escolas públicas brasileiras foram considerados público-alvo do Inclusp e, de maneira geral, as ações inicialmente propostas foram as seguintes:
1. Ampliar as probabilidades de acesso dos estudantes de escolas públicas à USP por meio de concessão de bônus no vestibular;
2. Incentivar a participação dos estudantes de escolas públicas no vestibular com base em medidas de apoio didático-pedagógico e de divulgação;
3. Apoiar, com ações específicas, a permanência dos alunos na Universidade.
Ao longo de dez anos, o Inclusp foi sendo aperfeiçoado e novas ações foram implementadas, dentre as quais podem ser destacadas a criação do Pasusp (incentivo à participação de alunos de escolas públicas como treineiros no vestibular), do projeto Embaixadores da USP e do Programa Preparatório para o Vestibular da USP (PPVUSP).
O bônus foi significativamente aumentado, passando de 3% no início do programa para até 25%, atualmente. Com o intuito de aprimorar ainda mais o processo de inclusão social e buscar talentos em outros Estados, a USP aderiu recentemente ao Sisu, ou seja, abriu-se porta alternativa de ingresso à Universidade. Dados sobre o ingresso na USP, extraídos do site da Fuvest, estão apresentados nas tabelas 1 e 2.
Tabela 1. Inscritos na Fuvest (porcentagem em relação ao total de inscritos).
2006 | 2015 | |
Escola Pública | 45,4 | 32,1 |
PPI | 24,8 | 21,2 |
Tabela 2. Matriculados após a última chamada da Fuvest (porcentagem em relação ao total de matriculados).
2006 | 2015 | |
Escola Pública | 24,5 | 34,8 |
PPI | 12,8 | 18,6 |
A análise das tabelas leva a, pelo menos, três importantes conclusões:
1. A despeito da queda na porcentagem de candidatos inscritos pertencentes aos grupos “Escola Pública” e “PPI” de 2006 a 2015 (Tabela 1), a porcentagem de matriculados (Tabela 2) aumentou no mesmo período e esse aumento foi mais expressivo, proporcionalmente, para o grupo “PPI” (18,6%, em 2015, contra 12,8%, em 2006).
2. A comparação entre inscritos e matriculados em 2015, para ambos os grupos analisados, mostra que a porcentagem é praticamente a mesma, sendo que para o grupo “Escola Pública” a porcentagem de matriculados (34,8%) é maior do que a de inscritos (32,1%). Na ausência do bônus, a porcentagem de matriculados pertencentes aos dois grupos seria muito inferior à de inscritos. Por exemplo, pela análise dos dados de 2006, no início do programa, observa-se que a porcentagem de matriculados é praticamente a metade da porcentagem de inscritos, tanto para o grupo “Escola Pública” quanto para o grupo “PPI”. Esses dados reforçam a influência do bônus concedido a esses grupos de candidatos, ou seja, o menor preparo escolar tem sido compensado pelo acréscimo nas notas obtidas no vestibular.
3. Mais de 2/3 dos candidatos inscritos na Fuvest, em 2015, eram oriundos de escolas privadas, a despeito do fato de 80% dos formandos do Ensino Médio paulista serem egressos do sistema público. Tal constatação é reflexo da falta de informações desse grupo de alunos sobre a possibilidade de continuidade de trajetória escolar numa universidade pública como a USP.
Ao longo de dez anos, o Inclusp foi sendo aperfeiçoado e novas ações foram implementadas, dentre as quais podem ser destacadas a criação do Pasusp (incentivo à participação de alunos de escolas públicas como treineiros no vestibular), do projeto Embaixadores da USP e do Programa Preparatório para o Vestibular da USP (PPVUSP)
A USP reconhece a importância de recrutar talentos do Ensino Médio e equipar melhor seu corpo discente, instituindo, assim, um ambiente universitário mais propício para a criação e transmissão de saberes e desenvolvimento da reflexão crítica e sistemática.
Todavia, a queda de qualidade da escola pública básica não é responsabilidade da USP e, conforme mostram os dados das Tabelas 1 e 2, a instituição tem se esforçado para fomentar uma inclusão social pautada no mérito escolar e com os recursos institucionalmente a ela destinados. Em que pesem esses esforços, críticas ao Inclusp como ferramenta de inclusão social têm aparecido em recentes artigos publicados na mídia, com sugestões sobre a adoção de programa de cotas sociais e raciais.
Dois argumentos devem ser levantados como defesa do Inclusp. Em primeiro lugar, o Inclusp surge como um programa que tenta mostrar a alunos e professores das escolas públicas que é possível reverter a situação instalada na qual as aspirações acadêmicas são limitadas.
Essa cultura pode ser modificada, de forma que as ambições dos estudantes sejam mais ousadas e, eventualmente, incluam o prosseguimento da escolarização em nível superior. Para tanto, é fundamental que o projeto de inclusão social da USP seja visível, confiável e tenha longa duração, que essa informação chegue à população de maneira clara e que os pais possam fazer planos para manter seus filhos na escola pública, tendo consciência de que a decisão será futuramente recompensada em função da política formulada pela universidade.
A USP não pode ficar alheia às demandas externas, mas também não deve ser refém delas, ao custo de o valor mais relevante de uma universidade que aspira à condição de excelência ser ameaçado: sua autonomia
O segundo ponto de defesa do Inclusp pauta-se na missão da USP, que é se tornar referência de qualidade pela criação de conhecimentos e formação de pessoal altamente capacitado. Nesse contexto, a busca da diversidade na Universidade justifica-se pelo reconhecimento da importância da interação efetiva entre seus membros, tendo como finalidade a melhoria da qualidade da experiência educacional e o preparo dos estudantes para uma sociedade cada vez mais complexa e pluralista. O Inclusp, de maneira gradativa e coerente com os princípios que nortearam sua criação, tem desempenhado esse papel.
De modo contrário, projetos de inclusão baseados em cotas têm como objetivo maior a reparação de injustiças passadas, exigem da Universidade um papel social não necessariamente vinculado à missão institucional e garantem aos cidadãos benefícios duradouros e nem sempre bem justificados.
Esse tipo de discussão, embora relevante e compreensível por conta da diversidade, tem como consequência a perda de foco e o atraso do desenvolvimento científico e acadêmico.
Em síntese, cotas são uma ferramenta passiva e não demandam da Universidade a busca de ideias criativas para interagir com a escola pública e melhorar o ensino básico. Além disso, não há garantias de que os alunos selecionados por cotas tenham nível de escolarização similar ao dos demais ingressantes pelo vestibular, especialmente em cursos tão competitivos quanto os da USP.
A USP não pode ficar alheia às demandas externas, mas também não deve ser refém delas, ao custo de o valor mais relevante de uma universidade que aspira à condição de excelência ser ameaçado: sua autonomia. É com o exercício contínuo da autonomia que universidades como a USP podem prestar um inestimável serviço à sociedade, qual seja, atuar como estrutura difusora da cultura e geradora de ideias criativas e inovadoras, com autonomia de pensamento descompromissado e participação crítica nas discussões importantes que ocorrem no país e no mundo.
Praticando sua autonomia, a USP pode projetar-se como instituição de densidade acadêmica e científica à altura de suas congêneres do exterior, desenvolver padrões de excelência intelectual e estabelecer uma relação intrínseca com a cultura e o saber pautada em seu caráter público.
Referências
Franklin Leopoldo e Silva, “Reflexões sobre o conceito e a função da universidade pública”, Estudos Avançados, 15 (2001) 295.
Simon Schwartzman, “A universidade primeira do Brasil: entre intelligentsia, padrão internacional e inclusão social”, Estudos Avançados, 20 (2006) 161.
Mauro Bertotti, “Inclusão social na USP: mérito e diversidade”, Química Nova, 36 (2013) 205.