Cultura e extensão, o diálogo da comunidade acadêmica com a sociedade

Por Rogério de Almeida, professor da Faculdade de Educação da USP, e Plauto Christopher Aranha Watanabe, professor da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP

 25/09/2023 - Publicado há 1 ano
Rogério de Almeida – Foto: Victória Tambara/FE-USP
Plauto Christopher Aranha Watanabe – Foto: Arquivo particular

 

Nos últimos dez meses a Câmara de Avaliação Institucional (CAI) avaliou as 51 unidades que constituem a Universidade de São Paulo, analisando os relatórios e os projetos acadêmicos produzidos ao longo do 5º Ciclo Avaliativo (2017-2022). Além de pareceres individualizados de cada unidade, que foram entregues por escrito, a CAI realizou visitas in loco a todas essas Unidades Acadêmicas (UA), institutos e museus da USP para discutir os resultados e recolher críticas e sugestões para o 6º Ciclo, que ora se inicia. Além disso, os membros da CAI realizaram uma análise horizontal por eixos (Ensino, Pesquisa, Cultura e Extensão), as quais subsidiaram, junto com outros documentos, o relatório entregue ao Conselho Estadual de Educação (CEE), órgão de deliberação coletiva do sistema estadual de ensino. Este artigo apresenta os principais resultados do eixo de Cultura e Extensão.

As atividades de Cultura e Extensão da USP são bastante heterogêneas, envolvendo a diversidade do conhecimento produzido em seus oito campi e nas 51 unidades, que englobam ensino e pesquisa, institutos especializados e museus. Cultura e Extensão podem ser compreendidas como as dimensões que articulam, de modo mais direto e com maior inserção na realidade da sociedade à qual está inserida, o diálogo entre a comunidade acadêmica e essa sociedade, principalmente quando o estudante é envolvido e influenciado pela troca de saberes, enriquecendo sua formação. Assim, a avaliação da Cultura e Extensão focou a formação do estudante engajada à realidade cultural e social, considerando a divulgação e circulação dos conhecimentos produzidos na universidade, a prestação de serviços à comunidade e a produção artística e cultural.

A Cultura e a Extensão também devem estar atentas às demandas sociais, como ficou evidenciado na crise sanitária, de âmbito mundial, instaurada pela pandemia de covid-19, com a participação ativa da comunidade uspiana em campanhas de vacinação, atividades de acolhimento, elaboração de projetos de extensão, produção de materiais didáticos como protocolos de biossegurança, e-books, cartilhas, boletins e infográficos, e vídeos com orientações sobre boas práticas para contenção da covid-19, além de realização de eventos e capacitações sobre o tema e, ainda, com a atuação dos egressos tanto em níveis centrais de administração do serviço de enfermagem e saúde, quanto na liderança de programas de enfrentamento in loco regionais, estaduais e nacionais, com a coordenação de programas e gerenciamento da crise sanitária.

Uma das dificuldades da USP é delimitar com precisão o que abrange o termo “cultura” que engloba a Cultura e Extensão. Mais do que “arte”, o termo “cultura” deve englobar “conhecimento”, nas suas mais diversas manifestações, como o científico, o popular, o estético, o filosófico etc. A extensão universitária é processo educativo, cultural e científico, que deve caminhar articulado com o ensino e a pesquisa, estabelecendo as relações entre a comunidade acadêmica e a sociedade para a transformação social. A institucionalização da extensão universitária, como prática acadêmica, deve dirigir seus interesses para as grandes questões sociais do País e aquelas demandadas pelas comunidades regionais e locais. Assim, as atividades de extensão se desenvolvem com programas, projetos, cursos, eventos e prestação de serviços distintos das atividades de ensino e pesquisa.

Todas as 51 unidades da USP contribuíram, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, para combater os efeitos da crise, por meio das atividades de pesquisa, no desenvolvimento de vacinas, remédios, respiradores etc., no atendimento psíquico, em projetos socioeconômicos e nos cursos comunitários, mas também na adaptação de cursos para modalidade remota, na realização de lives, webinários, apresentações artísticas e por meio da Feira USP e as Profissões, espaço de divulgação dos cursos e atração de futuros alunos. Essas atividades ajudaram a promover a conexão da pesquisa e do ensino às atividades de cultura e extensão, possibilitando maior integração entre universidade e sociedade.

Mitigada a crise sanitária, as unidades voltaram a atuar de acordo com a diversidade que as caracterizam, com numerosos projetos e atividades, cursos e incursões sociais, muitos ainda sem a divulgação e visibilidade adequadas, já que ao mesmo tempo que uma parcela grande da população paulista usufrui dessas ações, muitos ainda não as conhecem: formação continuada de professores, espetáculos teatrais, musicais e cinematográficos, atendimento odontológico, assistência veterinária, programas de saúde, orientações jurídicas, atividades esportivas, voltadas ao empreendimento, à inovação, entre outras tantas.

Desse modo, o intercâmbio entre a comunidade acadêmica e a sociedade realiza-se por meio da difusão de conhecimentos científicos, tecnológicos, acadêmicos, intelectuais, artísticos e estéticos, cujo compartilhamento de experiências contribuem para a construção de vínculos sociais e solidários, para a melhoria da qualidade de vida e cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

A Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP desenvolve diversos programas, como a Incubadora USP de Cooperativas populares, que fomenta a Economia Solidária com empreendimentos em comunidades da periferia de São Paulo, formando grupos para a prática de autogestão e inserção no mercado em diversas atividades econômicas; USP Aproxima-Ação, caracterizado como um espaço de interlocução entre ações e projetos da USP e as demandas sociais comunitárias; USP e as Profissões, que orienta alunos do Ensino Médio na opção pela carreira profissional; os NACEs – Núcleos de Apoio à Cultura e Extensão Universitária, entre outros.

Entre os programas da PRCEU, merecem destaque o USP 60+, gratuito, voltado para a terceira idade, que oferece atividades culturais, esportivas, cursos de extensão e participação em disciplinas regulares, ocasião em que os participantes interagem com os estudantes em sala de aula e compartilham suas experiências; há também as Unidades Móveis USP na Comunidade, duas carretas itinerantes que levam gratuitamente às comunidades de São Paulo ações culturais e científicas, com realização de testes rápidos na área da saúde, exibição de filmes, distribuição de materiais educativos, organização de oficinas etc. As Unidades Móveis da USP já estiveram em Paraisópolis, na Avenida Paulista, e em municípios como Sertãozinho, Pirassununga, Pindamonhangaba, Boraceia, entre outros.

A USP também conta com a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, Centro de Preservação Cultural Casa D. Yayá, Cinusp, Teatro da USP, Coralusp, Engenho São Jorge dos Erasmos, Estação Ciência, Centro Universitário Maria Antonia, Museu de Ciências, Parque CienTec e a Orquestra Sinfônica da USP, todos espaços de cultura e extensão, com uma série de programas, atividades, exposições etc.

Entre suas ações mais fortes, estão os cursos de Educação Continuada e Pós-Graduação lato sensu, Formação Profissional e Difusão: são cursos de especialização com duração mínima de 360 horas, cursos de aperfeiçoamento com 180 horas e atualização, com carga mínima de 30 horas.

Cada unidade da USP desenvolve atividades de Cultura e Extensão com características particulares, embora todas ofereçam cursos, os quais se expandiram neste último ciclo avaliativo. A pandemia de covid-19 trouxe uma série de dificuldades e desafios, impossibilitando a continuidade dos cursos presenciais, mas também se mostrou uma oportunidade para a inovação, com ampliação de cursos em modalidade remota, lives, webinários e outras iniciativas.

Na área das Ciências Humanas, entre as atividades de destaque, há a contribuição para a melhoria da educação pública, assessoria para implementação de políticas públicas para a educação, intervenções nas comunidades do entorno de seus campi, prestação de serviços à comunidade, ações em defesa da democracia e dos direitos humanos, assessoria jurídica voltada à população, convênios com o Tribunal de Justiça do Estado, projetos de treinamento em economia e finanças, ações afirmativas, como o convênio com a Universidade Zumbi dos Palmares e o Periferia Liv@, desenvolvimento de ações de inovação e empreendedorismo, o Cepel, que oferece cursos gratuitos de idiomas, o Lab_Arte, que realiza oficinas de arte-educação, as assessorias técnicas, consultoria e participação no planejamento arquitetônico e urbanístico do Estado, cooperação com a Prefeitura do Município de São Paulo em políticas de acolhimento de imigrantes e participação em comissão constituída pelo Ministério da Justiça para elaboração da Lei de Migração.

Nas áreas de Ciências Biológicas e Exatas, destacam-se a Banca da Ciência, um quiosque itinerante que realiza difusão científica em escolas públicas e comunidades da periferia, por meio de atividades lúdicas que mostram a ciência presente no cotidiano; o Centro de Pesquisa em Alimentos, que estuda os alimentos brasileiros e seu impacto na saúde humana, elaborou o site Alimentos sem mitos e o aplicativo da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA), duas importantes iniciativas de extensão que contribuem para a educação alimentar.

O Centro de Biologia Marinha (Cebimar) mantém parcerias com prefeituras do litoral norte para receber visitas de estudantes de escolas públicas, realiza capacitação de professores da educação básica e mantém o Clube de Ciências, voltado à promoção da prática do método científico nas escolas públicas. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), além de receber escolas públicas para visitas monitoradas, realiza o Projeto Astrominas, voltado para atração de estudantes meninas para as ciências exatas, contribuindo assim para a construção de igualdade de gênero. Há uma série de outras atividades que aproximam a USP da sociedade como a Feira de Ciências e Engenharia da Escola Politécnica, as empresas juniores, as startups, a Casa do Produtor Rural, as Ligas Acadêmicas, entre outras.

Há importantes contribuições também dos institutos e museus. O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), além dos cursos, publica a revista indexada e bem avaliada RIEB, bem como os Cadernos do IEB, constituindo-se como uma das instituições mais importantes para os estudos brasileiros, inclusive internacionalmente. O Museu de Arte Contemporânea (MAC) e o Museu Paulista são referências no Estado de São Paulo. O MAC organizou nos últimos anos 40 exposições e 244 eventos, com cerca de 400 mil visitantes anuais (no período da pandemia, ficou fechado, mas realizou exposições virtuais). O Museu Paulista é um dos maiores patrimônios culturais do país e o recente restauro pelo qual passou o tornou uma forte referência nacional, além de ter realizado um projeto de financiamento público e privado e captação de patrocinadores promissores para futuras ações de cultura e extensão da USP. O Museu de Zoologia e o Museu de Arqueologia e Etnologia também são importantes referências museológicas da USP, com exposições continuamente renovadas.

Por fim, a USP mantém, por meio de sua Faculdade de Educação, a Escola de Aplicação, oferecendo Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio gratuitos para a comunidade, além de se constituir em espaço para prática de estágios dos licenciandos da USP e instância complementar para o ensino, a pesquisa e a extensão universitária, com uma série de projetos pedagógicos, na área de matemática, gênero e sexualidade e negritude.

Restam, sem dúvidas, desafios a serem superados, os quais a Universidade buscará sanar no próximo ciclo avaliativo, como aperfeiçoamento dos canais de contato com a sociedade (empresas, órgãos públicos, sociedade civil e organizada, escolas públicas, movimentos sociais, coletivos etc.); ampliação do envolvimento dos corpos discente e docente; e melhorias nos registros das atividades nos sistemas de informação da Universidade, uma vez que muitas ações não são ainda registradas, subdimensionando a relevância das relações estabelecidas com a sociedade.

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