Desigualdades econômicas e educacionais, um cruel círculo vicioso

Por Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP

 Publicado: 09/05/2024

Há algumas relações bastante significativas entre indicadores educacionais e indicadores econômicos, tanto no nível individual como nacional, regional ou municipal. Vamos examinar uma delas, a que relaciona a desigualdade escolar com a desigualdade de renda.

Renda e educação

Embora haja exceções, pessoas com mais anos de escolaridade tendem a ter rendimentos maiores do que pessoas com menores níveis de escolaridade. Não apenas a quantidade de anos de estudo conta, mas, também, a duração e a qualidade dessa escolarização; no nível superior, por exemplo, quanto maior a duração de um curso, seja ela medida em anos ou número de horas de aula, maior tende a ser a renda da pessoa que o cursou quando vier a exercer a profissão para a qual se preparou.

Claro que, em se tratando de características humanas, há uma grande variação em torno dessa média. Políticas públicas devem considerar tais variações, mas se pautar, principalmente, pelas características dominantes.

Vejamos apenas a dependência da renda com o número de anos de estudo. Segundo dados divulgados pelo IBGE, observamos que a renda de uma pessoa cresce cerca de 10% a cada ano adicional de educação escolar que acumulou ao longo da vida. Entretanto, esse crescimento não ocorre uniformemente, ficando abaixo disso para os anos iniciais do ensino fundamental e sendo mais elevado no final do ensino médio e no ensino superior.

Educação e renda

Se, por um lado, a renda de uma pessoa depende do seu nível de formação escolar, por outro lado, a educação escolar de uma criança ou de um jovem depende de sua situação econômica. Crianças dos segmentos mais desfavorecidos raramente concluem o ensino fundamental. A conclusão do ensino médio é rara entre os jovens da metade mais pobre da população, sendo poucos os representantes desse segmento que prestam as provas do Enem ou de um vestibular tradicional, indicando que a perspectiva de continuar os estudos é, entre eles, muito baixa.

Um dos motivos que fazem com que as pessoas de baixa renda sejam excluídas do sistema educacional é bem simples: ir para a escola, ainda que gratuita, custa muito caro para os segmentos mais pobres. Esse custo é aquele induzido pela frequência escolar, como compra de material, alimentação, transporte, roupa adequada, entre outros. Além disso, há o valor do trabalho do estudante, não apenas o remunerado, mas também na forma de atividade doméstica, como cuidar de irmãos ou idosos e colaborar com outras atividades, permitindo que outras pessoas exerçam atividades remuneradas. Esse tipo de atividade dificulta a frequência à escola bem como o desempenho do estudante, contribuindo para a reprovação e a evasão.

A estimativa desses custos tem sido feita em vários países. Tomando como base resultados de estudos internacionais, tanto em países de baixa renda como em países ricos, esse custo pode ser estimado em centenas de reais por mês. Não é surpreendente, portanto, que os segmentos mais desfavorecidos não consigam arcar com tais custos: a frequência à escola, mesmo que ela seja gratuita, é excessivamente cara para grande parte da população.

O círculo vicioso se fecha

Como a renda domiciliar depende do nível educacional das pessoas, o círculo vicioso se fecha. Crianças e jovens dos segmentos mais desfavorecidos terão baixa escolaridade e, no futuro, baixa renda, dando origem a uma nova geração de crianças e jovens com baixa escolaridade.

Por causa disso, entre outros fatores, o Brasil se tornou um dos países mais desiguais do mundo quanto à distribuição de renda (fomos o mais desigual no final da década de 1980) e apresenta uma das menores taxas de mobilidade social.

O sofrimento humano causado por essa situação é muito alto, assim como é alto o custo para a sociedade toda, que não tem a chance de aproveitar da contribuição que poderia receber de todo esse contingente de crianças e jovens abandonados ao longo do percurso escolar.

A educação escolar é um recurso, se não suficiente, necessário para o desenvolvimento e para o crescimento econômico de um país.

Como uma espécie de corolário desse fato, a precariedade ou a falta dela é suficiente para inviabilizar o futuro. Se quisermos superar essa situação, inclusive quanto às desigualdades, precisamos de um sistema educacional mais democrático e mais bem financiado.

Por enquanto, nosso sistema escolar está construindo, hoje, o atraso e a desigualdade do futuro, assim como no passado criou as condições para as dificuldades atuais do País.


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