Enfrentar a batalha da comunicação

Por Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq

 17/11/2022 - Publicado há 2 anos

No fim do século passado, a USP contratou uma pesquisa de opinião para caracterizar a Universidade com uma representação pictórica. O resultado, não divulgado, foi surpreendente: tratava-se de uma figura feminina, de certa idade, postura elegante, bem-vestida, mas com roupas fora de moda e algo puídas. Se esta pesquisa fosse realizada hoje, o resultado poderia ser similar, pois a população paulista não faz muita ideia do que é a Universidade de São Paulo, o que se faz dentro dela ou qual a contribuição desta casa do saber para o povo paulista.

Como então apresentar o que a USP faz pelo povo paulista para melhor caracterizá-la? Um caminho seria, por exemplo, recomendar a leitura do Anuário Estatístico, exemplo de eficiência e transparência de uma instituição pública. Além de apresentar a descrição quantitativa das inúmeras atividades de pesquisa, ensino e extensão, o anuário descreve alguns dos impactos diretos destas atividades na sociedade paulista. Mas esta recomendação é inútil para atravessar o fosso que separa a realidade do fazer da USP e o desconhecimento deste fazer pela população, pois atingiria uma porcentagem minúscula do povo paulista. Apesar de reconhecer a ineficiência deste canal para ilustrar o fazer da USP para a população paulista, a leitura do Anuário surpreende até aqueles que acreditam conhecer a USP. Como não sentir orgulho de uma instituição pública que, mantendo o número de docentes desde a sua autonomia (1989), aumenta, em porcentagens que variam desde cem até mais de mil por cento, todos os indicadores de docência, pesquisa e extensão.

Mas o orgulho que me invade não para por aí. Numa iniciativa pioneira a Universidade de São Paulo instituiu um prêmio para reconhecer a excelência de mães que se destacam pela contribuição à ciência. Esta iniciativa é ímpar e, dentro das minhas limitações como minerador de dados, parece ser uma premiação única no mundo. As mães premiadas este ano, na área de ciências biológicas, foram selecionadas por um júri composto de mulheres de destaque no mundo acadêmico deste país. Apresento aqui os temas de pesquisa das mães de filhos de menos de doze anos de idade ou de filhos com deficiências sem limite de idade. A diversidade de temas em que trabalham as mães de destaque na pesquisa impressiona pois se estendem desde áreas fundamentais até ações que, aplicando metodologia científica, atuam diretamente sobre a comunidade. As oito premiadas, docentes, pós-doutoras, pós-graduadas e alunas de graduação são criadoras em toxicologia e meio ambiente, mecanismos bioquímicos da inflamação, transplante ovariano, estratégias inovadoras na terapia do câncer, organogéis para aplicações cosmetológicas e farmacêuticas e aplicando conhecimentos científicos no atendimento de mães da periferia.

A cerimônia de premiação, destacada no Jornal da USP em 4 de novembro, foi emocionante para todas e todos que participaram, autoridades e funcionários da USP, premiadas, suas famílias e amigos. O grande ausente nesta ocasião foi a imprensa externa à USP, pois um evento desta relevância e simbolismo não podia ser ignorado pelos meios de comunicação. E aqui reside parte do problema mencionado no início deste artigo, a dissociação entre o fazer e o impacto da USP e o conhecimento que a população deste Estado tem destas contribuições.

O evento da premiação mostrou como a USP trata a questão da equidade de gênero. A Universidade reconhece o imenso esforço que em especial as mães têm que fazer para conciliar estudos e carreira com maternidade. Isto não podia ser ignorado pela grande imprensa nem pelos outros meios de comunicação de massa, em particular pela televisão aberta. Estou consciente da dificuldade de pautar nesses meios assuntos que, ao invés de conter tragédias ou política, trazem esperança e mostram como o poder público pode ser eficiente, moderno e enfrentar problemas que muitas vezes residem só nos debates, longe da prática.

Contudo não posso evitar notar que esta falta de esforço da USP de se fazer conhecida se arrasta há décadas. A USP já encarou problemas gigantescos como nos tempos obscuros da ditadura, as greves longas e paralisantes e desequilíbrios financeiros colossais. Esta Universidade, com a força, coragem e competência de professores, funcionários não docentes e alunos, soube enfrentar e resolver crises dessa magnitude. A USP não pode, a meu ver, deixar de enfrentar a necessidade de estabelecer canais eficientes para que os meios de comunicação de massas informem a população das suas contribuições para a sociedade. Em especial quando, como na premiação das mães pesquisadoras, se estabeleceu um reconhecimento inédito.

A USP, com a sua capacidade de criar, ensinar e divulgar, tem o dever de enfrentar a batalha da comunicação a fim de obter o merecido reconhecimento e apoio de todo o povo paulista.


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