Mazzarino é um desses fenômenos que entraram na galeria da história usando os dribles da política para ascender ao poder. Foi convocado pelo mentor, o cardeal Richelieu, para serviços junto ao rei Luís XIII, que o nomeou cardeal, em 1641, mesmo nunca tendo sido ordenado padre. Depois da morte de Richelieu e do rei, em 1643, Ana de Áustria, regente da França, nomeou o cardeal Mazzarino primeiro-ministro.
E aí surgiram as jogadas cheias de dribles de sua invencionice, a partir das cinco principais: simula, dissimula, não confies em ninguém, fala bem de todo mundo e reflete antes de agir.
A história da política, principalmente nos sistemas absolutistas, tem se valido deste receituário. Fake news, lembremos, vem de tempos idos. Perfis de todos os espectros sobem a escada da glória escalando degraus de inverdades, boatos, versões, versões diminuídas ou aumentadas e assim por diante. Todo esse aparato vem embalado no celofane do Estado-Espetáculo, que é um teatro com múltiplas facetas e intersecções: comédia, tragédia, drama, ficção, histórias mirabolantes, milagres e até conversa com Deus.
Certa vez, o marechal Idi Amin Dada (1971-1979), com sua vestimenta cravejada de joias e medalhas, mais parecendo um bazar do mercado de Istambul, dissera numa entrevista coletiva que conversava muito com Deus. Um repórter teve a ousadia de perguntar: “Quantas vezes, presidente?”. Ele: “Tantas vezes que se faça necessário”.
Mas a reflexão de hoje é sobre identidade e imagem. Os parágrafos acima servem para mostrar a hipótese de que muitos governantes, com raras exceções, construíram suas imagens sobre uma base de mentiras, algumas vis e criminosas. Não é o caso, por exemplo, de Ghandi, que lutou pela independência da Índia do Reino Unido com o emprego da resistência não violenta. Foi um líder despojado de bens e riquezas. Não é o caso de Churchill, autêntico nas suas tiradas, no seu humor fino e na liderança que resultou na vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial.
Mas é o caso da imensa maioria de governantes sem escrúpulos, sem eira nem beira. Basta ver algum compêndio sobre a história privada desses protagonistas.
O fato é que as imagens que construíram estão distantes de suas identidades. Antes, breve explicação sobre os conceitos. Por identidade, que tem o adjetivo latino idem, o mesmo, seguido do sufixo dade, no sentido de atribuir uma qualidade. Identidade é, assim, o caráter, a verdade de uma pessoa, traduzida por sua história, valores e princípios, sua profissão e suas crenças.
Já a imagem é a projeção da identidade, o conceito que as pessoas gostariam de ser identificadas, observadas, analisadas. Costumo usar a metáfora do Sol. Ao meio-dia, os raios incidindo sobre a cabeça da pessoa projetam a imagem para os pés, sem extensões. À medida que o Sol vai se pondo no horizonte, seus raios deixam uma sombra distante da pessoa em pé. Quanto mais distante da pessoa, a sombra torna-se esgarçada, sem muita clareza, a esconder certos traços das figuras.
Na política, vemos os programas eleitorais com mulheres e homens ditando frases com que costumam identificar seu posicionamento e a bandeira que irão desfraldar no mandato. Um amontoado de tergiversações.
Pois bem, os eleitores percebem quando há uma “forçada de barra”, como se diz no vulgo. Sentem o artificialismo das falas. Coisa que não vem do coração. São expulsas da boca, quase vomitadas.
Um vexame.
Fixemos, agora, o olhar sobre Lula e Bolsonaro. São autênticos? Não. São um saco de promessas. Pois bem, a identidade que Bolsonaro quis passar na campanha de 2018 era a de ser o paradigma da anticorrupção. Cumpriu? Pelo vasto noticiário a respeito, conclui-se que não chegou a imperar nessa área.
Quanto a Luiz Inácio, se fez a mesma promessa, a imagem foi corroída pelo mensalão e pela Lava Jato. As imagens dos dois são obtusas.
Fiquemos numa seara mais sensível às massas. A rede de assistência social. Lula alinhou o Bolsa Família, criação dos tempos tucanos do prefeito de Campinas, Magalhães Teixeira (1937-1996). No Nordeste, Lula virou o pai do Bolsa Família, implementado em seus governos. Hoje, o programa Auxílio Brasil, do governo Bolsonaro, que promete esticar para R$ 800 em 2023, continua sendo confundido com o programa assistencialista de Lula. Até parece que inventaram uma nova moeda: O BolsoLula. Ambos usam três dos cinco preceitos de Mazzarino: simula, dissimula, não confies em ninguém. Os outros dois, eles não seguem: falar bem de todo mundo e refletir antes de agir.
Dois jogadores que gostam de driblar.