Conchas mostram como oceano reagiu ao aquecimento do planeta

Pesquisa realizada na USP pode contribuir para o aprimoramento de modelos climáticos que buscam definir cenários futuros

 12/07/2017 - Publicado há 7 anos
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No atual contexto de mudança climática global, o estudo do passado adquiriu extraordinária relevância para o desenho de cenários futuros. Pesquisas sobre transformações ocorridas durante a última deglaciação, por exemplo, entre 19 e 12 mil anos atrás, quando a temperatura média do planeta subiu aproximadamente 3,5º C, são fundamentais para aferir a acurácia dos modelos numéricos que buscam projetar o que acontecerá no planeta nas próximas décadas.

Uma dessas pesquisas, conduzida por Rodrigo da Costa Portilho-Ramos, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, investigou as mudanças produzidas pelo aquecimento global na camada superior da coluna d’água oceânica – um domínio do sistema climático especialmente difícil de estudar. E resultou no artigo Coupling of equatorial Atlantic surface stratification to glacial shifts in the tropical rainbelt, publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

O estudo foi apoiado pela Fapesp por meio do Auxílio à Pesquisa Jovens Pesquisadores, que contempla o projeto Resposta da porção oeste do Oceano Atlântico às mudanças na circulação meridional do Atlântico: variabilidade milenar a sazonal, liderado por Cristiano Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Chiessi é supervisor do pós-doutorado de Portilho-Ramos e coautor do artigo veiculado na Scientific Reports.

“Apesar de parecerem homogêneos, os oceanos são altamente estratificados, com diferentes camadas na coluna d’água. A camada superficial é de enorme importância para o clima do planeta, porque é nela que ocorre a fotossíntese produzida pelo fitoplâncton. Então, se essa camada superficial é mais espessa ou menos espessa, mais quente ou menos quente, mais produtiva ou menos produtiva, isso tem influência direta na quantidade de carbono lançada ou absorvida da atmosfera. E, portanto, no sistema climático como um todo”, disse Chiessi à Agência Fapesp.

Ele adverte, porém, que modelos climáticos de grande complexidade, como os utilizados no IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), têm muita dificuldade em reproduzir a estratificação da coluna d’água e, portanto, em incorporar essa influência. “Nossa pesquisa permitiu saber, pela primeira vez, como a camada superior dos oceanos variou em um contexto de mudança climática abrupta, associado à deglaciação”, completou.

A análise das conchas possibilitou determinar a posição atual e os deslocamentos no passado da chamada Zona de Convergência Intertropical do Atlântico – Gráficos: Scientific Reports

 

G.glutinata com bulla, espécie do filo Foraminifera, que apresenta concha. Pesquisa realizada pelo IGc pode contribuir para o aprimoramento de modelos climáticos que buscam definir cenários futuros – Imagem: arquivo do pesquisador

Para caracterizar essa variação, Portilho-Ramos coletou amostras de sedimento no fundo oceânico – mais especificamente, carapaças de foraminíferos planctônicos fósseis. “Os foraminíferos são organismos unicelulares (protozoários), exclusivamente marinhos, altamente sensíveis às variações ambientais (temperatura, luminosidade, salinidade, disponibilidade de nutrientes, estratificação da coluna d’água etc.). Vivem na superfície dos oceanos, entre zero e 800 metros de profundidade, e constroem conchas de carbonato de cálcio. Depois que morrem, as conchas se depositam no fundo oceânico e viram fósseis, que registram a história natural do planeta e se constituem em uma das mais importantes ferramentas para a pesquisa paleoceanográfica”, informou Portilho-Ramos. A análise de conchas possibilitou determinar a posição atual e os deslocamentos no passado da chamada Zona de Convergência Intertropical do Atlântico.

De acordo com Chiessi, o atual processo de mudança climática está derretendo as calotas polares e injetando água doce no Atlântico Norte, assim como ocorreu no passado. Ainda não é possível prever todas as consequências do processo, devido à grande quantidade de fatores envolvidos. Mas, com base neste estudo, é de se supor modificações que resultem em forte aumento das chuvas durante a estação úmida no Nordeste brasileiro. “Como as projeções indicam que, na média anual, as chuvas diminuirão no Nordeste, os extremos devem se intensificar”, concluiu o professor da EACH.

José Tadeu Arantes / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (Leia aqui o texto integral)


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