Cresce o mercado de armas no Brasil enquanto fiscalização enfrenta fragilidades

Os registros ativos de armas de fogo no País já ultrapassam os 2 milhões; já os registros vencidos totalizam 1,7 milhão e as armas pertencentes aos caçadores, atiradores e colecionadores são estimadas em cerca de 960 mil

 Publicado: 18/11/2024 às 9:34     Atualizado: 19/11/2024 às 9:35
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Imagem de uma pessoa - da qual só se vê um pedaço de calça de brim azul - empunhando uma pistola, que está apontada para baixo
O Brasil tem cerca de 4,8 milhões de armas de fogo sob fiscalização da Polícia Federal e do Exército – Foto: senivpetro/Freepik
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De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano, o mercado de armas de fogo no Brasil registrou um crescimento expressivo em 2023, cerca de 33% quando comparado a 2022. Dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal revelam que os registros ativos de armas de fogo no País já ultrapassam os 2 milhões. Quando somados os registros ativos e vencidos do Sinarm, que totaliza 1,7 milhão, e as armas pertencentes aos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), estimadas em cerca de 960 mil, o Brasil contabiliza cerca de 4,8 milhões de armas de fogo sob fiscalização da Polícia Federal e do Exército Brasileiro.

Sobre essa fiscalização, o diagnóstico do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o controle de armas realizado pelo Exército tem sérias fragilidades, principalmente na verificação da veracidade das informações do requerente da posse de armas de fogo. Os dados analisados são do período de 2019 a 2022 e revelam, ainda, que 5,2 mil pessoas receberam novos registros de CACs ou renovaram registros anteriores, mesmo havendo processo de execução penal contra elas por crimes como tráfico de drogas, homicídio e lesão corporal, como alertou o senador Jorge Kajuru, de Goiás, em pronunciamento no início do ano. O senador apontou também que, desse contingente, quase 3 mil obtiveram do Exército licença para comprar armas de fogo, mesmo possuindo mandados de prisão em aberto. No mesmo período, 94 pessoas declaradas mortas compraram 16,6 mil munições em 67 processos.

Homem branco de meia idade, cabelos escuros e bem curtos, de terno e gravata e sorrindo
Paulo Borges – Foto: Arquivo Pessoal

Para o promotor de Justiça e professor do curso de Direito da Unesp em Franca, Paulo Borges, esse descontrole e a grande quantidade de armas no mercado acabam parando na criminalidade organizada, que tem acesso a elas por meio de furtos e outros mecanismos, afetando diretamente a segurança pública. “Apesar da sensação de segurança que a arma de fogo traz, ela é, estrategicamente, um chamariz muito interessante para a criminalidade, pois é uma forma de ter acesso a armas legalizadas.”

Sobre o uso de dados de pessoas falecidas, Borges afirma que várias fraudes são cometidas: “Quando ocorre um óbito, a certidão é expedida e há um mecanismo automático de comunicação com a Receita Federal, que bloqueia qualquer transação. Esse mesmo tipo de comunicação imediata deveria estar disponível para que os sistemas de controle, tanto das Forças Armadas quanto da Polícia Federal, desses órgãos fiscalizadores tenham acesso à informação no mesmo dia da morte. Isso impediria o uso de documentos falsos”.

Para melhorar o controle de armas, o promotor de Justiça afirma que deveria existir uma centralização das informações na Polícia Federal e um sistema intersetorial entre a PF e as Forças Armadas. “Esse controle deveria ser uma decisão de Estado e não de governo. No mercado paralelo existem inúmeras outras armas circulando para o cometimento de crimes”, alerta.

Pessoas que possuem certificado de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) não podem portar suas armas, a não ser no transporte para um clube de tiro, e, ainda assim, com a arma totalmente desmuniciada durante o trajeto. “Para ter esse certificado, a pessoa deve ter certidão negativa de processo criminal em seu nome na Justiça Federal e Justiça Estadual. É muito rigoroso, inclusive, feito para que poucas pessoas tenham armas”, informa Borges.

Sensação de insegurança

Homem branco, de óculos, cavanhaque,, vestindo jaqueta preta sobre camisa amarela e olhando com expressão séria para a câmera
Víctor Gabriel de Oliveira Rodríguez  – Foto: YouTube

O professor Víctor Gabriel de Oliveira Rodríguez, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, lembra que o Estatuto do Desarmamento de 2003 prevê, em seu artigo 35º, a proibição da venda, a não ser para as exceções presentes no artigo 6°, como juízes, promotores, guardas, policiais, quem habita a área rural e quem possui o certificado de CAC. Rodríguez destaca que o resultado do referendo popular de 2005, previsto pela própria lei e submetido a votação obrigatória, foi extremamente contrário à proibição de comercialização de armas de fogo, com cerca de 63% dos eleitores votando pela manutenção do comércio. O professor observa: “Esse dado é relevante, pois reflete uma sensação de insegurança elevada entre a população. Apesar da vontade popular, o governo manteve o artigo 35, que proíbe o comércio de armas de fogo, contrariando o resultado”.

Esse referendo, apesar de ser antigo, diz o professor, também reflete a percepção da população de que o Estado falha em garantir a segurança pública. Além disso, existem exemplos mais recentes da expressão popular, ou parte dela, sobre o desejo de se armar, que foi a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2018, que utilizou a pauta da liberação de armas de fogo como um dos seus principais planos de governo. Assim, houve uma mudança drástica a partir de 2018 na política restritiva de acesso a armas de fogo e munições. O governo federal, através de decretos, portarias e instruções normativas, reduziu as restrições e permitiu que a população tivesse acesso a grande quantidade de armas de fogo e munições. Entre 2017 e 2022, o número de registros de armas de fogo do Sinarm teve um aumento de 144,3%. No mesmo período, o crescimento do número de pessoas com certificados de registros de armas de fogo de CACs foi de 1.140%, chegando a 783.385 certificados em 2022.

Rodríguez afirma que “independentemente do porte de armas melhorar ou piorar a segurança pública, o fato é que a população está atrás de armas. Isso traz à tona a sensação de insegurança que nós vivemos. Na área rural ou na área urbana, o crime organizado brasileiro está entre os mais violentos do mundo e a população sente a falha do Estado em estabelecer essa defesa”. E conclui: “Armar a população não é uma solução, mas a população percebe como se assim fosse, e o fato é que o Estado não está contribuindo em nada para que se pense diferente”.

*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone


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