Convivência entre humanos e animais selvagens no ambiente urbano é prejudicial às espécies

Patrícia Izar analisa conflito entre macacos ocorrido na Tailândia e explica como deve ser a relação correta entre pessoas e animais

 Publicado: 01/07/2024
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Quando as espécies selvagens avançam para o convívio no ambiente urbano, o problema apresenta um grau maior de gravidade – Foto: Cedida pelo pesquisador Henrique Rufo
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Em determinadas culturas, o convívio entre animais selvagens e seres humanos é algo corriqueiro e que existe há séculos. A cidade tailandesa de Lopburi, por exemplo, é conhecida pela alta concentração de macacos nas ruas e o animal tornou-se símbolo do local, de maneira que todos os anos, no último domingo de novembro, os moradores promovem o Festival dos Macacos de Lopburi, no qual é servido um verdadeiro banquete aos animais. No entanto, é comum que ocasionalmente a cidade receba relatos de ataques dos macacos a humanos, além de conflitos generalizados entre diferentes grupos desses animais. 

Com certa frequência, é comum viralizar nas redes sociais vídeos que mostram alguns desses embates entre macacos, que tomam as ruas de Lopburi com ataques violentos e gritos ensurdecedores. Patrícia Izar, professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, analisa o comportamento desses animais e as consequências do convívio entre humanos e animais selvagens.

Brigas

Segundo a professora, mesmo que não chegue às vias de fato, o conflito entre primatas é comum e quase uma norma. Ela conta que a ordem dessas espécies é conhecida pela sociabilidade, ou seja, costumam conviver em grupo. Por esse motivo, o encontro entre diferentes grupos dessa espécie pode originar os embates, que geralmente ocorrem como resultado da disputa por recursos essenciais para a sobrevivência, como alimentos e locais para dormir.

Patrícia Izar – Foto: Arquivo Pessoal

“Existem conflitos bem mais raros, mas que também acontecem, que é quando um macho de um grupo e a fêmea de outro grupo encontram-se para copular e, no caso de o macho do grupo dessa fêmea presenciar, pode gerar um conflito. Mas em geral não é tanto por isso, são mais por esses recursos importantes para a sobrevivência: alimentação, território e refúgio”, diz.

De acordo com Patrícia, em grande parte de grupos de espécies primatas não humanas é comum existirem sistemas hierárquicos, nos quais os indivíduos respeitam e são subordinados aos que estão acima deles. Além disso, ela conta que cada indivíduo, na maior parte das vezes, consegue reconhecer, através de traços individuais e vocalização, quais animais fazem parte do seu grupo. Dessa maneira, quando ocorrem conflitos generalizados, eles conseguem distinguir quais os indivíduos que pertencem ao seu grupo e quais são rivais.

Coexistência não é convivência

Conforme a especialista, algumas das práticas dos humanos podem ser prejudiciais e contribuem para essa dispersão de grupos de macacos nas cidades. Ela conta que é preciso haver coexistência entre animais selvagens e humanos, mas isso não significa conviver no mesmo ambiente. O correto, segundo ela, é cada espécie viver em seu habitat e respeitar a existência do habitat e das condições necessárias à vida da outra espécie.

De acordo com a docente, quando as espécies selvagens avançam para o convívio no ambiente urbano, o problema apresenta um grau maior de gravidade. Ela conta que na cidade de São Paulo, por exemplo, existe uma grande propagação de espécies de saguis nas ruas, universidades e perto de restaurantes. Patrícia diz que muitas pessoas acham agradável a presença dessa espécie, mas eles podem partir do ambiente urbano e invadir as áreas naturais, o que afetaria as espécies endêmicas e o equilíbrio ambiental.

A professora reforça a importância de conscientizar as pessoas para não alimentar as espécies selvagens que surgem nos ambientes públicos e perto das casas, a fim de evitar a proliferação do animal. “Precisamos começar a trabalhar pela educação para a promoção da coexistência, que não é essa ideia de viver juntinho, mas uma relação de respeito a outra forma de vida. Então é preciso reforçar: não podemos ficar pegando os macacos no colo e muito menos ficar dando comida para eles”, alerta.

Controle

De acordo com a docente, a solução adotada pelas autoridades para conter o conflito de macacos em Lopburi foi a utilização de estilingues com dardos tranquilizantes. Ela conta que essa foi uma medida extrema para impedir que a fúria dos animais resultasse em muitos ataques a seres humanos, mas reforça que essa prática é inviável quando a população da espécie é muito grande. O ideal, segundo ela, é promover programas de capturas de espécies selvagens para a esterilização com o intuito de diminuir a reprodução desenfreada.

“É sempre mais fácil realizar a esterilização dos machos para evitar essa reprodução, porque vai tornando-se um problema muito grande para as espécies endêmicas dos locais de mata. Nós entendemos que as pessoas que dão comida para os animais selvagens fazem por amor e acreditam que estão fazendo o bem, mas ficar alimentando essas espécies é estar fomentando o problema, os macacos não são seres domesticáveis”, destaca.

Em grande parte de grupos de espécies primatas não humanas é comum existirem sistemas hierárquicos – Foto: Tiago Falótico/IP-USP

Doenças

Conforme Patrícia Izar, a prática de alimentar as espécies selvagens pode provocar doenças tanto nos humanos quanto nos próprios animais. Ela conta que a ingestão de recursos alimentares que não são habituais desses bichos possibilita alterações fisiológicas, bem como a transmissão de zoonoses. Essas doenças podem ser transmitidas dos animais para as pessoas, mas são mais comumente transmitidas dos humanos para os animais.

A docente conta que em diversos lugares nos quais existe a proximidade de convivência entre humanos, animais domésticos e animais selvagens, as pessoas costumam dar comida para os bichos sem ter lavado as mãos, preparar o alimento sem o uso de luvas e às vezes levam a mão à boca antes de tocar o alimento. Patrícia conta que essas ações podem contribuir para a disseminação de patógenos entre as pessoas e os animais, como o vírus da herpes comum, por exemplo, que nas espécies humanas causa apenas uma pequena ferida na boca, mas é fatal para saguis.

“Outra coisa comum é ficar dando banana para os macacos. Na natureza, esses animais nem comem banana, porque não é um fruto nativo do Brasil, e pode causar algumas alterações fisiológicas, já que é um fruto com muito açúcar. Muitas vezes acontece também de alguém querer dar a banana para o bicho, se assustar na hora e tirar a mão, nesses casos pode acontecer de o animal dar uma mordida e causar muita dor”, diz. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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