As discussões políticas não se limitam apenas à “terra firme”; o mar, visto por muitos como local de calmaria e paz, é palco de constantes disputas políticas e geográficas. No fim de maio de 2024, por exemplo, um conjunto de países insulares, ou seja, países compostos por uma ou mais ilhas, recebeu um parecer favorável do Tribunal Internacional do Direito do Mar, conhecido pela sua sigla em inglês ITLOS (International Tribunal for the Law of the Sea), que acatou o pedido desses países em tornar o controle na emissão de gases de efeito estufa uma obrigação de todos os países membros do tribunal.
Criado em 1982, com a realização da Convenção de Montego Bay, o Tribunal Internacional do Direito do Mar é o resultado de nove anos de discussões em reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar de ter sido criado no início da década de 1980, o tribunal só entrou em vigor em 1994. Pouco conhecido, o Tribunal Internacional do Direito do Mar é um dos principais tribunais da ONU. Segundo um relatório da própria organização, o tribunal já julgou 30 casos de relevância internacional em sua curta história. A título de comparação, o Tribunal Internacional de Justiça foi criado em 1945, portanto, o Tribunal Internacional do Direito do Mar representa a consolidação de milênios de conhecimento sobre o mar e a forma de garantir seu uso mais eficaz e justo para todos os países.
As preocupações com os acontecimentos que envolvem o mar começaram muito antes da criação do ITLOS. O escrito mais antigo sobre o direito marítimo atualmente conhecido é o Código de Ur-Nammu (2100 a.C.), que, apesar de não focar diretamente no mar, estabelece normas de conduta e punições para o convívio no ambiente marinho. Além disso, normas escritas durante a Antiguidade Clássica, como é o caso das Leis de Rhodes, datadas do século VII a.C. e consideradas um dos primeiros códigos marítimos escritos, estabelecem punições para piratas e normas para lidar com barcos e mercadorias conquistadas através de saques.
Hoje, influenciado por milênios de conhecimento, o direito marítimo abrange uma ampla gama de questões, desde o transporte marítimo e o comércio internacional até a proteção do meio ambiente marinho e a prevenção da pirataria. Segundo Caio Gracco, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, o tribunal tem a função de garantir que os tratados da ONU sejam cumpridos. “O artigo 21 do estatuto do Tribunal Internacional do Direito do Mar estabelece que a sua jurisdição está prevista para todas as questões relativas à aplicação e interpretação da convenção da ONU sobre direito do mar.”
Exemplos da importância do órgão incluem a resolução de disputas territoriais, como no caso da delimitação da plataforma continental entre Bangladesh e Myanmar, e a proteção ambiental, como na decisão que reforçou a obrigação dos países em proteger o ambiente marinho contra a poluição proveniente de atividades terrestres. Essas decisões são cruciais para garantir a estabilidade e a paz nas relações internacionais marítimas, além de promover a sustentabilidade dos oceanos.
Independência necessária
Apesar de ser criado pela ONU, o tribunal internacional do mar funciona de maneira independente. “Embora o tribunal tenha uma atuação muito próxima dos outros tribunais da ONU e seja um membro observador da Assembleia Geral das Nações Unidas, é um órgão independente da organização”, diz Gracco.
Segundo o professor, uma das maneiras de manter essa independência é a forma como os juízes da corte são eleitos. “São os membros da Convenção do Direito do Mar que, a cada três anos, elegem sete juízes para compor o tribunal, que conta com 21 juízes no total. Eles ficam no cargo durante nove anos, ou seja, a cada três anos renova-se um terço do tribunal.”
Um dos casos mais polêmicos julgados pela corte foi o do M/V Saiga, incidente de poluição por óleo no Mar da Guiné, episódio em que o navio M/V Saiga foi apreendido pelas autoridades da Guiné Equatorial por suspeita de descarga ilegal de petróleo. O tribunal foi chamado para decidir sobre questões de jurisdição e imunidade estatal, concluindo que a Guiné Equatorial violou o direito internacional ao apreender e deter o navio M/V Saiga e sua tripulação por suspeita de descarga ilegal de petróleo.
Órgão fiscalizador, não político
Apesar de ser convocado para julgar casos polêmicos, Gracco afirma que o ITLOS tem uma função fiscalizadora, abstendo-se da criação de políticas públicas. “Nós precisamos lembrar que o tribunal é um órgão jurisdicional, ele não é um órgão formulador de políticas ou que tenha poder para ditar normas que os países deverão seguir. A tarefa do tribunal é verificar se a conduta dos Estados está de acordo com as convenções da ONU.”
Por conta disso, o Tribunal não tem poder para criar políticas públicas ou punir eventuais negligências em desastres naturais. “Em casos de desastres naturais, o Tribunal não pode interferir. Entretanto, em um novo parecer emitido em maio de 2024, o Tribunal deixa claro que os Estados têm obrigações para com as mudanças climáticas.”
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone
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