Extração de DNA em âmbar antigo ainda é um sonho distante

Derivado de uma resina vegetal transformada, após vários processos, em fóssil cristalizado, especialistas explicam que o material possui grande importância em estudos históricos e biológicos

 Publicado: 10/04/2024
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O âmbar pode ser encontrado no mundo inteiro e com diferentes idades – Foto: Didier Descouens -Wikipédia
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A extração de DNA em âmbar antigo, técnica utilizada no filme fictício Jurassic Park para a recriação dos dinossauros, é algo que traz muita dificuldade à ciência. Apesar de interessante, esse cenário é utópico, e a única extração de DNA possível, por enquanto, é a realizada em âmbares mais recentes, conhecidos como copal, como foi o caso do estudo feito por pesquisadores da Universidade de Bonn, na Alemanha, ainda muito recentemente.

Derivado de uma resina vegetal, o âmbar passou por vários processos de destilação até chegar no resultado final de um cristal fossilizado, como explica o professor Luiz Eduardo Anelli, do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP). Ele ainda comenta que o material é confundido com a seiva da planta cristalizada, mas o âmbar é produzido, na maioria das vezes, na casca.

“Esse âmbar contém substâncias, textura e densidade que ajudam a planta a cicatrizar feridas. É uma substância curativa, um auto-curativo que a planta faz. Muitas vezes ela jorrava e formava uma grande massa e os animais ficavam presos, ou ela mesmo se soltava do tronco, caía e ia parar na água ou no chão da floresta e envolvia algum material”, afirma. O docente ainda diz que a gema ganha ainda mais valor quando tem algum animal ou planta em seu interior.

Luiz Eduardo Anelli – Foto: IGc/USP

Segundo Anelli, o âmbar pode ser encontrado no mundo inteiro e com diferentes idades, sendo o mais antigo já encontrado com cerca de 300 a 350 milhões de anos atrás, do período carbonífero. “Depois disso, a gente encontra já, da Era Mesozoica, âmbar do Período Triássico, dos primeiros dinossauros. Em grande volume, ele aprisionava material, então a gente consegue conhecer alguns insetos e pequenos animais que conviveram com os primeiros dinossauros”, complementa.

O especialista ainda comenta sobre outros âmbares famosos, como os encontrados no Líbano, com cerca de 120 milhões de anos, em Mianmar, com cerca de 100 milhões de anos, e na Rússia, com mais de 400 toneladas de âmbar encontradas por ano. De acordo com o professor, há apenas âmbares microscópicos no Brasil, determinando apenas pequenos protozoários em seu interior.

Com idades avançadas, âmbares antigos são muito importantes para o estudo da história do planeta, capazes de descobrir desde características de animais e plantas muito antigas até a composição atmosférica da época, ou mesmo doenças encontradas em sangue contaminado dentro de mosquitos e outros parasitas preservados nessas gemas. “O âmbar é o sarcófago de ouro, a tumba mais espetacular e preciosa que a gente poderia ter. De certo modo ele viajou daquela época até o futuro e a gente consegue conhecer o que existiu por lá. É a máquina mais sofisticada que a natureza inventou, ele é uma janela que a gente abre e vê o mundo pré-histórico que nenhuma outra rocha foi capaz de mostrar’, conclui Anelli.

Extração de DNA e uso na biologia

De acordo com Maria Mercedes Okumura, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP, a preservação macroscópica dos elementos encontrados em âmbar é boa em muitos casos, já que a resina envolve rapidamente as estruturas, provocando uma espécie de mumificação. Isso permite estudos do ponto de vista biogeográfico, comportamental e evolutivo, de um modo geral.

“Podemos estudar a distribuição de um dado grupo de plantas ou animais de acordo com a região e a cronologia associadas à presença dessas resinas, podemos também descrever espécies extintas e relacionar essas espécies com as espécies viventes, podemos tentar entender a evolução de um determinado grupo de organismos comparando a morfologia do que isso encontra no âmbar antigo com o que se encontra na natureza atualmente”, exemplifica.

Maria Mercedes M. Okumura – Foto: Reprodução/IEA-USP

Sobre a extração de DNA e outras biomoléculas a partir de organismos preservados em âmbar, Maria alerta sobre a realidade e a ficção apresentadas no filme Jurassic Park, em que cientistas extraíram o DNA de dinossauros a partir de mosquitos preservados em âmbares, que teriam sugado o sangue dos animais pré-históricos. “Na vida real, os cientistas têm tentado extrair DNA não do potencial sangue de dinossauros que estaria no estômago do mosquito, mas do próprio mosquito, para usar esse exemplo. Apesar dessa ideia parecer boa, a preservação de DNA e demais biomoléculas em estruturas encontradas no âmbar é longe de ser satisfatória, uma vez que temos um grande problema de possível contaminação por DNA recente”, explica.

Além disso, existe um debate sobre a legitimidade de trabalhos que afirmam conseguir esse feito, já que, devido à pequena estrutura das amostras, destruídas na análise inicial e sem deixar a possibilidade do material ser analisado em algum outro laboratório, há uma limitação grave da replicação de seus resultados. Maria afirma que, ao que tudo indica, parece haver a possibilidade de recuperação de DNA a partir de estruturas preservadas em resina, mas muito mais recentes do que aquelas de milhões de anos atrás, ainda chamadas de copal — como foi o caso do estudo feito pelos pesquisadores da Universidade de Bonn.

“Não quer dizer que o estudo dessas estruturas preservadas em âmbar não seja importante do ponto de vista genético, mas é importante chamar atenção para os inúmeros desafios que envolvem esse tipo de pesquisa. E aí entra o papel de cientistas que, atualmente, vem trabalhando nesses temas, vem propondo protocolos e procedimentos para a realização desses estudos, de modo que a gente prossiga desenvolvendo técnicas que possam gerar conhecimento acerca desses genomas ou pedaços de genomas bem antigos, sem correr o risco da gente ser muito descuidado, gerando falsos resultados”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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