Para além da diversão, os jogos on-line viraram ferramentas de ensino e há alguns anos entraram nas salas de aula. Um exemplo são as adaptações do Escape Room para o ensino de química que ganharam uma versão testada e aprovada para conscientização ambiental. A autoria é da pesquisadora Rute Maria Rosa, do Programa de Pós-Graduação, Mestrado Profissional em Química, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
No jogo Escape Room, um grupo de pessoas, presas em um espaço, precisa descobrir pistas e desvendá-las para conseguir fugir antes que o tempo se esgote. Para ensinar química ambiental, a pesquisadora usou o estigma de “Vale da Morte” da cidade de Cubatão, na Baixada Santista, que no passado ficou conhecida como a mais poluída do mundo, como os cenários fictícios que precisava para despertar o interesse dos alunos.
Então professora de química do ensino médio em Cubatão, Rute Rosa decidiu aplicar o jogo em uma de suas turmas, justificando que a maioria de seus alunos “não possuía um sentimento de pertencimento ao lugar que residiam e, consequentemente, não teria um conhecimento a fim de gerar atitudes ecológicas para preservar esse meio ambiente”. Ela apostou que o jogo colocaria os estudantes nos cenários problemáticos de suas realidades e ajudaria a ensinar os conteúdos necessários de forma mais criativa e interativa.
Para cumprir esses objetivos, o desenvolvimento educativo do jogo levou em conta as ideias que os alunos tinham em relação a Cubatão e também às consequências dos impactos ambientais gerados pelos próprios moradores da região. Segundo Rute, durante o processo, os estudantes responderam a questões relacionadas ao município, ao meio ambiente e à química; o intuito era aproximar o mais possível a realidade dos estudos.
A concretização do jogo veio para ajudar a responder às questões ambientais levantadas entre os alunos a respeito dos recursos hídricos da Baixada Santista. Para a professora, o formato do jogo deveria enriquecer a vida do estudante em sala de aula, já que “o ensino da química permite desenvolver habilidades básicas através de temas relevantes que apresentam problemáticas sociais”, argumenta, exemplificando que “a composição, assim como a estrutura e as ligações químicas, estão relacionadas às propriedades e reatividade desses compostos na natureza, favorecendo ainda mais a necessidade de criar técnicas que possibilitem a retirada desses poluentes dos recursos hídricos.”
Emoções e habilidades não trabalhadas em aula tradicional
O Escape Room da Química, criado por Rute Rosa, tem como situação-problema um crime ambiental (fictício) ocorrido nas proximidades da Serra do Mar que teria gerado graves impactos nos recursos hídricos da Baixada Santista. Atraídos pelo jogo, a professora afirma que seus alunos vivenciaram experiências sensoriais (através de imagens e sons) com estímulo de emoções e habilidades que muitas vezes não são trabalhadas em uma aula tradicional.
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A pesquisadora esclarece que os desafios do jogo estão baseados em exercícios relacionados a conceitos de química trazidos para a realidade dos alunos. A atividade é lúdica, ensina e é uma maneira de revisar o que já foi trabalhado em sala de aula, mas de uma forma diferente. “Cada desafio apresenta questões contendo alternativas; caso os alunos errem nas escolhas das respostas, a missão não é completada e aparece um feedback, permitindo que eles realizem novamente a tarefa”, informa.
Para iniciar o jogo, os alunos acessam um link recebido por e-mail por um dos integrantes de cada grupo e abrem a janela que contém um cenário fictício de um acidente ambiental. Após verificarem as orientações e regras, acessam os ícones correspondentes ao seu grupo; cada equipe recebe a estrutura química de um contaminante que deve ser relacionada com as suas propriedades químicas.
Já as pistas são encontradas, presencialmente, em alguns locais da escola, conforme as orientações oferecidas pelo jogo. “Um exemplo é a pista três, no laboratório de ciências, onde eles teriam que analisar os compostos químicos e suas propriedades através de um experimento”, conta a professora. Outro exemplo são as pistas encontradas na biblioteca da escola, em alguns livros que ajudam a responder às questões apresentadas na fase seguinte do jogo. Após algumas etapas, os alunos preenchem um questionário para finalizar e avaliar o trabalho feito.
Telas do jogo – Imagens: reprodução
Compreender a relação entre a natureza e o homem
“Quando o aluno compreende a importância do saber e o aplica em diversos contextos, ele transforma o meio que habita através da construção do seu próprio conhecimento, partindo de estratégias que buscam soluções para os conflitos do seu cotidiano”, afirma a pesquisadora, que observou a transformação em seus alunos. Conta que viu os estudantes se tornarem cidadãos participativos na sociedade, capazes de compreender a relação entre a natureza e o homem ao se sentirem parte dela.
Os resultados positivos do uso do Escape Room da Química também foram confirmados em turmas dos anos seguintes. Segundo Rute Rosa, o jogo permitiu então visitas aos manguezais no entorno da escola, onde os alunos realizaram coletas para análises de amostras e compreensão das características físicas e químicas dessas regiões. “Além de demonstrarem maior interesse no conteúdo, houve interação entre os colegas e o sentimento de competição e compartilhamento de ideias aflorou de uma forma positiva”, conclui, informando que seus alunos se envolveram com a promoção de eventos e parcerias para preservação desses ambientes.
Rute Rosa trabalhou sob orientação de Paulo Olivi, professor do Departamento de Química da FFCLRP.
Mais informações: e-mail rute.quimica2016@gmail.com, com Rute Maria Rosa
*Estagiária sob supervisão de Rita Stella