“Julgamento dos réus de 8 de janeiro mostra maturidade da democracia brasileira”

É a opinião de Helena Regina Lobo, que nota uma dicotomia de acusações entre crime contra a democracia e apenas a depredação de patrimônio público

 14/09/2023 - Publicado há 10 meses
Os atos, independentemente de seus alvos, devem ser observados em seu conjunto, visto que há uma “conexão probatória”, ou seja, as provas dos crimes dependem umas das outras para serem julgadas em sua totalidade – Foto: Caio de Benedetto/USP Imagens
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O julgamento dos réus pelos atos golpistas de 8 de janeiro se iniciou nesta quarta-feira (13), com votos anunciados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Kassio Nunes Marques. O primeiro julgado foi Aécio Lúcio Costa Pereira, acusado por Moraes pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado; e associação criminosa armada e pelos quais foi sentenciado a 17 anos de prisão, enquanto Nunes Marques defendeu a condenação por apenas dois crimes – dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado –, com a pena de dois anos e seis meses.  

Helena Regina Lobo, professora do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, explica que a diferença entre as penas se estabelece pelas configurações dos tipos penais divergentes acerca das ações do réu. “Nunes Marques não reconheceu a prática dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, mas sim crimes de depredação ao patrimônio público, dano patrimonial, por isso que a pena é tão baixa, ele não trabalha com os crimes contra o Estado democrático”, esclarece a professora.

Dicotomia de interpretações 

Em termos de provas para a interpretação dos fatos, na visão de Helena, não há dúvidas que o réu Aécio Pereira estava presente em 8 de janeiro, porém, existe uma contraposição entre duas vertentes: tentativa de golpe ou apenas depredação do patrimônio público. A professora ainda ressalta que, mesmo se tratando de um julgamento individual, não se pode desvincular sua conduta do discurso de “questionar de forma séria o Estado Democrático de Direito e pedir a intervenção das Forças Armadas. Entendo que, nessa disputa, o ministro Alexandre de Moraes tem mais razão sobre a configuração dos tipos penais, mesmo que se possa discutir se a pena foi muito alta ou muito baixa”, analisa Helena Lobo. Ela ainda acrescenta que apenas a tentativa de golpe já é considerada um crime contra a democracia, uma vez que, caso consumada, não há mais condições constitucionais e jurídicas para aplicar tais crimes. 

Helena Regina Lobo da Costa – Foto: FD

Dessa forma, o dispositivo geral no Código Penal – que determina que todo o crime quando tentado e não realizado vai ser punido da mesma forma, mas com uma redução de pena – não se aplica a conspiração de golpe de Estado, na medida em que a tentativa já configura crime consumado. 

Competência do STF  

A questão acerca da competência do STF para julgar os mais de mil processos do 8 de janeiro é esclarecida pela professora a partir de um regimento interno do próprio órgão jurídico. “O Supremo Tribunal Federal tem um dispositivo que diz: ‘Se um fato ilícito for cometido em sua sede, o STF tem competência para investigação’, isso é redação expressa, não é uma interpretação”. Além disso, existe o questionamento do STF como ente julgador dos ataques nas sedes dos outros dois Poderes – Palácio do Planalto e Congresso Nacional –, já que não se trata de sua própria sede. A professora explica que os atos, independentemente de seus alvos, devem ser observados em seu conjunto, visto que há uma “conexão probatória”, ou seja, as provas dos crimes dependem umas das outras para serem julgadas em sua totalidade. 

Helena Lobo considera o acontecimento de 8 de janeiro uma simbologia muito forte de ataque contra a democracia pelo motivo de os invasores tentarem forçar a intervenção militar por meio da GLO, Garantia da Lei e da Ordem. Assim, ela destaca a importância dos julgamentos com as análises das condutas de cada indivíduo e a pena adequada para cada uma das gravidades acima da ideia de uma justiça exemplar. “Sem dúvida alguma, guardadas essas limitações, o julgamento é uma sinalização muito importante que mostra a maturidade do Estado democrático brasileiro e o maior preparo contra esse tipo de situação”, observa Helena.


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