Informalidade é a realidade dos quadrinistas brasileiros

No livro “Quadrinhos: Profissão e Trabalho Criativo”, pesquisador mostra as dificuldades e desafios dos ilustradores em atividade no Brasil

 21/06/2023 - Publicado há 1 ano
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Ainda que os quadrinhos estejam presentes na vida de muitas pessoas desde a infância, a profissão do quadrinista ainda é desvalorizada, afirma o professor e pesquisador Gledson Ribeiro de Oliveira – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Abordando as aventuras de super-heróis ou as brincadeiras de uma turma de amigos, as histórias em quadrinhos fazem parte da infância de muitas pessoas, contribuindo até mesmo para a alfabetização, por ser uma literatura acompanhada de ilustrações. Contudo, os profissionais dessa arte não são devidamente valorizados. É o que demonstra o livro Quadrinhos: Profissão e Trabalho Criativo, do professor Gledson Ribeiro de Oliveira. A obra é resultado do pós-doutorado de Oliveira, realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e será lançada durante a sétima edição das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da USP, que acontecerá na ECA entre 22 e 25 de agosto.

“Quadrinista é um trabalhador das representações gráficas visuais. Ele conta a história em sequências de imagens com palavras e às vezes sem elas”, define Oliveira. Como ele explica, criação, desenho, roteiro, finalização de arte, impressão e vendas são áreas que fazem parte da produção de uma história em quadrinhos (HQ). O trabalho do quadrinista pode ser totalmente independente, caso em que ele realiza todas as funções de forma autônoma. Em grandes empresas é comum que as atividades sejam divididas, como na Mauricio de Sousa Produções, que produz a Turma da Mônica.

Gledson Ribeiro de Oliveira – Foto: Arquivo pessoal

Geralmente, o reconhecimento pela obra é atribuído ao roteirista, o que causa ruído entre os outros profissionais que realizam as demais funções envolvidas na produção de quadrinhos, destaca Oliveira. O ilustrador, por exemplo, pouco é lembrado para dar entrevistas. O glamour fica para o roteirista.

A informalidade no trabalho é o principal problema apontado na pesquisa de Oliveira. “O profissional geralmente ganha por peça feita, o que impossibilita ter uma jornada fixa, férias, décimo-terceiro salário e direitos trabalhistas.” Por isso, os quadrinistas intercalam seu trabalho com outra profissão tida como formal – arquitetura, jornalismo e engenharia, por exemplo –, a fim de assegurar estabilidade. A HQ fica em segundo plano.

Com mais de uma profissão, o quadrinista costuma ter dupla ou tripla jornada de trabalho, continua Oliveira. O que seria tempo livre acaba sendo ocupado por trabalho, diz, lembrando que a rotina exaustiva acaba afetando a criatividade dos artistas. “Ser quadrinista é persistência, porque a profissão não é tida como algo com que se possa ganhar a vida”, ressalta.

Alguns desses trabalhos independentes são comprados pelas editoras e lançados no mercado. Oliveira cita como exemplo as obras do quadrinista paulistano Marcelo D’Salete, que em 2018 recebeu o Will Eisner Comic Industry Awards – a maior premiação do mundo na área de histórias em quadrinhos, como divulgou o Jornal da USP na época (leia aqui). No mesmo ano, o quadrinista venceu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Histórias em Quadrinhos, com Angola Janga, que conta a história do Quilombo de Palmares. D’Salete é professor de Artes da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP.  

Obras do quadrinista Marcelo D’Salete – Fotos: Divulgação

 

A formalidade na profissão de quadrinista parece um sonho distante, lamenta Oliveira. “Os contratos de exclusividade com editoras ou jornais são cada vez mais raros.” Ele diz que não vê a perspectiva de melhora nesse cenário. “Existe uma inquietação, principalmente dos quadrinistas mais velhos, com 20 anos de carreira ou mais, em relação a aposentadoria, mas nada que estabelecesse uma lei federal ou um piso salarial.” A impossibilidade de uma aposentadoria por trabalho leva o profissional a continuar exercendo a profissão até onde for possível.

Oliveira afirma que a motivação pelo tema veio por ele ser um colecionador de quadrinhos. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (CE) e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), em Redenção (CE), ele percebeu que a maior parte das pesquisas ligadas a histórias em quadrinhos estava relacionada com semiótica e linguagem, mas raramente voltada para analisar os atores sociais. O que torna sua pesquisa pioneira na área, já que há pouca informação sobre os trabalhadores de HQ no Brasil.


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