Revisão do PDE com um Plano de Aceleração de Diretrizes e Metas. Revisão por inteiro!

Por Ivan C. Maglio, pesquisador do USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

 04/05/2023 - Publicado há 1 ano
Ivan Carlos Maglio – Foto: Arquivo pessoal

 

O Projeto de Lei sobre a revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) foi encaminhado pelo Executivo à Câmara Municipal em 20/3/2023, e foi iniciada a tramitação do projeto nas comissões e com a proposta de discutir o projeto em audiências públicas a toque de caixa, para sua aprovação até maio de 2023.

A pauta para a revisão do PDE 2014, apresentado pelo mercado imobiliário, já é bastante conhecida: inclui a verticalização no miolo dos bairros, o desvirtuamento das regras do PDE para ampliar o número de garagens nos apartamentos localizados no Eixos de Transformação Urbana, e a redução dos valores da outorga onerosa. A arrecadação da outorga é justamente um dos pilares da sustentação financeira para que o governo municipal possa promover maior inclusão social, ambiental e melhore a mobilidade urbana na cidade por meio do Fundorb – Fundo de Urbanização.

Já o Projeto de Lei de Revisão do PDE, encaminhado pelo governo municipal após consultas por via eletrônica e por algumas poucas e rápidas reuniões e audiências públicas, revela que o diagnóstico e as propostas apresentadas pela prefeitura passam muito longe das questões colocadas pela sociedade nos fóruns em que esta tem se manifestado, e que muito poucas dessas demandas foram contempladas.

Muitos conflitos e questões não foram sequer abordados na minuta de lei de revisão do PDE. Isso mostra que essa minuta não é legítima e não pode ser aceita, pois não foi formulada em um amplo processo participativo e tampouco atende às reivindicações da sociedade.

Ficou claro que a revisão proposta pela prefeitura para o PDE não representa o interesse dos cidadãos, até porque o direito à cidade pela Constituição é de todos e não apenas dos nossos representantes.

Entre as questões que vêm sendo reiteradamente colocadas pelos vários setores representativos, ressalta-se o impacto urbano ambiental causado pelos Eixos de Estruturação Urbana no meio ambiente, nos aspectos sociais, ambientais e vulnerabilidades aos riscos climáticos nos vários bairros/subprefeituras da cidade que foram explicitados pelas Associações de Bairros de Perdizes, Bela Vista, Pinheiros, Vila Mariana, Jardins e Consolação, entre outros, e pelos movimentos sociais e ambientais da cidade. Esses impactos desrespeitam as normas ambientais constitucionais que requerem a realização prévia de estudos ambientais pela Resolução Conama 001/86 e Constituição Federal de 1998 no seu capítulo de meio ambiente.

O risco das chuvas e inundações, a exemplo do ocorrido no bairro de Moema em março de 2023, encontra a cidade frágil, pouco resiliente e despreparada para enfrentar a emergência climática, e os riscos e impactos decorrentes desses eventos. Os riscos decorrentes da emergência climática não são sequer abordados no Projeto de Lei, a não ser por poucas menções aos ODS – Agenda 2030 e/ou ao Plano Nacional de Adaptação Climática (PNA,2016). A revisão proposta não apresenta nenhum avanço em relação ao tema das 407 áreas de risco de deslizamento e/ou do Plano de Gestão das Áreas de Risco, previsto no artigo 300 do PDE, revelando um distanciamento grave da prefeitura a um dos principais temas enfrentados pela cidade que são os impactos da crise climática, previstos no Plano de Ação Climática de São Paulo, lançado em 2021.

Uma crítica aos desvios dos objetivos sociais do PDE vem ficando cada vez mais explícita com a questão da financeirização da cidade e com o domínio da produção imobiliária sobre os demais pilares do PDE, especialmente nos Eixos de Transformação Urbana e ZEUS. Como consequência desses impactos, observam-se os altos custos dos imóveis e a ausência dos Eixos de Transformação Urbana que são o coração do PDE, da produção de habitação de interesse social, que foi o objetivo original do PDE em 2014. O que predomina nesses eixos são os estúdios de 45 m2 a preços de 20 mil reais o metro quadrado.

A explosão desse produto imobiliário é exposta de maneira contundente por Raquel Rolnik, com base nos estudos do LabCidades da FAU-USP, que demonstram também o efeito perverso dessa política sobre as Zonas Especiais de Interesse Social, com a expulsão de populações, com o crescimento das populações das favelas da cidade e com o crescimento da população sem teto e dos moradores de rua na cidade, ampliados durante a pandemia da covid-19.

O Fórum de Parques e Áreas Verdes tem trabalhado pela implantação de 67 novos parques previstos no PDE e pela manutenção dos 111 parques e áreas verdes já existentes para a resiliência climática da cidade, destacando-se a ausência de regulamentação do fundo financeiro previsto no PDE.

Destaca-se, também, a necessidade de proibição de qualquer novo desmatamento da cidade para enfrentar os riscos climáticos, a exemplo da proteção da Mata Esmeralda presente no distrito de Raposo Tavares, que tem quase 500 mil m2 de áreas de mata atlântica ameaçadas por novos loteamentos.

Nessas últimas chuvas e inundações, a cidade mostrou sua total vulnerabilidade, com morte em Moema e perdas materiais em vários bairros “nobres”. Existem cerca de 700 áreas de risco de inundação e 407 áreas de risco de escorregamento, segundos dados do IPT de 2010. Cerca de 150 mil pessoas estão ameaçadas e têm suas moradias nessas áreas.

Esses mapeamentos elaborados em 2010 sobre áreas de risco e vulneráveis não foram atualizados no Plano de Ação Climática e sequer são mencionados no Plano Diretor Estratégico. Ou seja, qual a situação em 2023, passados 13 anos e com o risco gravíssimo da emergência climática já presente na cidade? Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU são uma apenas mencionados no PL de revisão do PDE, sem incluir sequer o plano de ação construído para atingir suas respectivas metas contra a pobreza, saúde, clima e educação, e sustentabilidade. Assim, para ter um mínimo de seriedade com os ODS, esse plano precisa estar refletido no Plano Diretor da cidade.

Enfim, a minuta de revisão do Plano Diretor Estratégico, que foi entregue à Câmara pelo governo municipal, vem embalada por um discurso fake sobre a proteção da mata atlântica para justificar uma ainda maior verticalização da cidade, embalada numa proposta de puro greenwashing (“lavagem verde superficial”). Exemplo disso foi a proposta apresentada pelo prefeito para implantar jardins de chuva em Moema, apesar de sabermos que os jardins de chuva, ainda que superimportantes para a permeabilidade, são insuficientes para enfrentar as canalizações antigas nos rios da cidade que não estão preparados para enfrentar as chuvas como as de Moema, que foram de 60 mm, e muito menos críticos como os eventos climáticos extremos de Franco da Rocha em 2022 e de São Sebastião em 2023.

Ou seja, a revisão do Plano Diretor não avança em nada para enfrentar os gravíssimos problemas sociais, ambientais e climáticos que a cidade enfrenta e enfrentará, e é ilegítimo por não representar minimamente a vontade da população da cidade, uma vez que os processos de consulta não atendem ao exigido pelo Estatuto das Cidades e pelas regras constitucionais, sobre a democracia participativa.

A revisão do PDE 2014 precisa considerar esses impactos para aperfeiçoar o plano e garantir um desenvolvimento urbano mais sustentável e equilibrado para a cidade de São Paulo. A revisão do PDE em 2023 poderia trazer diversas mudanças significativas para as populações vulneráveis em São Paulo, desde o acesso a moradias mais centrais até a inclusão digital por meio do Wi-Fi livre na cidade. Além disso, a criação de zonas livres de carbono e mais áreas verdes poderiam ajudar a cidade a enfrentar a crise climática, tornando a cidade mais resiliente a inundações, aos aumentos da temperatura e outros impactos dos riscos climáticos.

E tudo isso ocorre, apesar de haver diretrizes muito avançadas no PDE 2014, mas pela ausência de compromissos públicos de governo e de metas mensuráveis nas diretrizes de Habitação, Meio ambiente, Resiliência e Adaptação climática, Territórios de interesse cultural, Descentralização da gestão municipal e elaboração de Planos de Bairro por Subprefeituras, acabaram sendo aplicadas nesses quase dez anos de aplicação do PDE apenas as políticas de interesse para o mercado imobiliário.

Para alterar esse quadro de aplicação parcial do PDE, que tem validade até 2030, propõe-se a Formulação de Plano de Aceleração das Metas do PDE, por meio do estabelecimento de metas objetivas para todas as áreas nevrálgicas e diretrizes do PDE, as quais devem ser concretas e mensuráveis, conforme as propostas a seguir, que visam a contribuir para essa finalidade.

Na área de Habitação, criação até 2030 de 300 mil unidades de Habitação de Interesse Social (HIS), distribuídas de forma equânime nos eixos de Estruturação Urbana em EZEIS (Edifícios de Interesse Social Exclusivos). Na construção de Habitação Popular, nos casos das cotas de solidariedade nas demais edificações, o projeto tem que ser obrigatoriamente controlado pela Prefeitura, e as empresas têm que executá-lo sem alterações.

Na área de Meio ambiente, implantar um milhão de m2, por meio de parques previstos e distribuídos em todas as regiões da cidade; plantio de 100 mil árvores em corredores verdes. Incluir nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana a obrigatoriedade de um mínimo de áreas verdes permeáveis, para ajudar na drenagem das águas pluviais, evitar ilhas de calor e garantir acesso ao lazer dessas áreas públicas e melhor qualidade de vida.

Na área de Transportes, garantir o acesso em 15 minutos a pé para moradores da cidade a um meio de transporte público, implantar 100 km de corredores de ônibus, e aplicar recursos do Fundurb para ampliação das linhas de Metrô na cidade na região metropolitana de São Paulo.

Na área de Adaptação e Resiliência climática, institucionalizar as metas do Plano de Ação dos ODS nesse PDE, e o Plano de Gestão para as 407 áreas de risco de deslizamento e 700 áreas de risco de inundação, com garantia de recursos para a elaboração de projetos piloto para adaptação das áreas críticas até 2030, e das diretrizes do Plano de Ação Climática de São Paulo.

Na área de Drenagem e permeabilidade urbana, garantir a capacidade de suporte na micro e macrodrenagem, revisão das dimensões de canalizações de galerias de drenagem e de córregos canalizados na cidade, em especial nas sub-bacias presentes na área de influência dos EETU para evitar o agravamento dos riscos climáticos de inundação.

Garantir a realização de no mínimo cinco Planos de Bairro por Subprefeitura, para retomada do planejamento participativo na cidade, com garantia de financiamento pelo poder público até 2030, como forma de planejar seus territórios e influir na revisão da Lei de Uso do Solo, com a definição de um conteúdo mínimo para garantia de maior eficácia dos Planos de Bairro.

Em relação aos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana e ZEUS, exigir que novas obras sejam paralisadas, e que somente venham a ser retomadas mediante estudos prévios de impacto ambiental para mensurar os impactos urbanos e ambientais até o momento, áreas totais adicionais construídas por Eixo/Distrito, retomada de limites dos estoques de áreas construídas adicionais e avaliação da capacidade e suporte de infraestrutura urbana e de equipamentos sociais nas Subprefeituras onde ocorrem.

Nesse contexto, é fundamental a regulamentação do artigo 77 do PDE, para garantir a proteção das áreas de interesse ambiental e cultural, existentes nas áreas de influência dos EETU, com a exclusão de áreas de interesse social, cultural, ambiental e para a resiliência climática, e que, mediante estudos ambientais e com a implantação de medidas mitigadoras para os impactos observados, sejam ajustados os limites dos EETU e considerados na revisão da Lei de Zoneamento de 2016. Trata-se de uma espécie de moratória para replanejamento dessas áreas da cidade tão severamente impactadas.

No Plano Político essas propostas devem ser aperfeiçoadas pela Frente de Entidade pela Vida, que congrega cerca de 500 entidades e movimentos sociais, e conduzidas em conjunto com a Frente Parlamentar para a Revisão do PDE, para garantir o Plano de Aceleração de Metas e Diretrizes do PDE, lembrando que o Plano Diretor tem que ser objeto de consulta pública pela população na eleição de 1º turno de 2024, conforme a Emenda Constitucional 111.


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