Perucas e imitações ofensivas de pessoas trans. Colegas de Congresso se xingando e cuspindo um no outro. Parlamentares mandantes de assassinatos com requintes de crueldade. Quem acha que histórias como essas acontecem apenas em séries de televisão como Sopranos ou filmes como O Poderoso Chefão se enganou. Os casos citados anteriormente são, na verdade, alguns dos “causos” ocorridos dentro, ou fora, do Congresso Nacional por parlamentares. Baseando-se nisso, questões sobre o comportamento e forma de conduta desses congressistas são levantadas. Não existem regras sobre a forma de agir para esses representantes do povo? A pergunta, pertinente, tem uma resposta: sim!
Segundo Rubens Beçak, professor da Faculdade Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, pensando em normatizar a forma de agir dos políticos, criou-se o Decoro Parlamentar. “O Decoro Parlamentar é um entendimento de um proceder, uma forma de agir que se espera dos parlamentares. Sejam eles senadores, deputados federais, estaduais ou vereadores.”
Ele completa explicando o raciocínio por trás da criação dessa normatização. “Isso decorre de um entendimento de que existe uma forma de agir calcada em um procedimento ético-moral. Ou seja, aquele que atua em uma função política deve agir de acordo com um proceder mínimo, que tem muito a ver com um pressuposto de civilidade, de uma certa forma de falar, de se comportar.”
Origem do Decoro Parlamentar
Beçak explica que o Decoro Parlamentar nasceu em 1949, após uma polêmica envolvendo o então deputado federal pelo Distrito Federal (na época, o Rio de Janeiro), Barreto Pinto. “Ele tinha posado para uma revista de circulação nacional, a Cruzeiro, de ceroulas. E aí você imagina, para a sociedade da década de 40, o escândalo que isso foi. Não restou outra alternativa para os parlamentares além de cassá-lo por quebra de decoro parlamentar.”
Todavia, apesar de a sua origem remeter a meados do século passado, a sua normatização, ou seja, a transformação desse entendimento em normas a serem seguidas é muito mais recente. “No Senado, esse código é de 1993 e, na Câmara dos Deputados, mais recente ainda, de 2002.”
Segundo o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, os deputados têm como dever fundamental:
I – promover a defesa do interesse público e da soberania nacional;
II – respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional;
III – zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo;
IV – exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade;
V – apresentar-se à Câmara durante as sessões legislativas ordinárias e extraordinárias e participar das sessões do Plenário e das reuniões de comissão de que seja membro, além das sessões conjuntas do Congresso Nacional;
VI – examinar todas as proposições submetidas à sua apreciação e voto sob a ótica do interesse público;
VII – tratar com respeito e independência os colegas, as autoridades, os servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da atividade parlamentar, não prescindindo de igual tratamento;
VIII – prestar contas do mandato à sociedade, disponibilizando as informações necessárias ao seu acompanhamento e fiscalização;
IX – respeitar as decisões legítimas dos órgãos da Casa.
Ainda segundo o código, alguns dos atos atentatórios ao Decoro Parlamentar são: perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão; praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa; praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a mesa ou comissão, ou os respectivos presidentes; dentre outros.
Para esses atos, o código prevê quatro tipo de punições, que vão desde censura verbal ou escrita até a perda do mandato. Essas punições são aplicadas conforme a natureza e gravidade das infrações cometidas.
Segundo dados da Câmara dos Deputados, desde a sua criação, em 2002, 22 relatórios com pedidos de cassação chegaram à comissão, entretanto, apenas sete deputados perderam seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Casos como os dos deputados federais José Dirceu, por corrupção, e Flordelis, por assassinato, ainda estão frescos no imaginário popular. Vários parlamentares renunciaram ao serem denunciados para não perderem os direitos políticos.
Beçak diz que a importância do Decoro Parlamentar e a imagem do parlamentar perante a sociedade são uma coisa só. “É a máxima de César, a pessoa não tem que ser apenas correta, ela precisa, acima de tudo, parecer correta.”
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