Muito foi discutido sobre a vacinação das grávidas ou se o vírus da covid-19 era transmitido ao bebê caso a mãe fosse infectada, mas toda a mudança fisiológica que acontece no corpo de uma gestante não foi efetivamente levada em conta. Elas estão mais suscetíveis ao vírus porque seu sistema imune está mais fragilizado.
Um seminário promovido nesta semana pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP se propôs a discutir a saúde sexual e reprodutiva pós-pandemia de covid-19. Um dos efeitos mais marcantes e preocupantes abordados pelo seminário foi a situação das grávidas e puérperas durante a pandemia. A taxa de infecção e mortalidade aumentou exponencialmente, enquanto o atendimento e tratamento daquelas infectadas pelo vírus diminuiu.
Com a reorganização dos hospitais e a destinação de leitos de maternidade e parto, internação e serviços pré-natais aos infectados pela covid-19, a atenção às grávidas foi deixada não em segundo plano, mas sim em terceiro. “O serviço de saúde foi desmantelado e os efeitos disso para a saúde reprodutiva são enormes”, explica Cristiane da Silva Cabral, do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Faculdade de Saúde Pública da USP.
“Uma das coisas que a gente discute muito são os indicadores de mortalidade materna, a gente tinha diminuído cada vez mais a quantidade de morte materna por 100 mil habitantes. Agora, a gente voltou aos patamares dos anos 90, em função da pandemia”, diz a professora. Dados de um estudo da Fiocruz Amazônia apontam que, durante os cinco trimestres consecutivos avaliados – março de 2020 a maio de 2021 –, foram identificadas 3.291 mortes no Brasil. Isso representa 70% de mortes além do esperado.
Os dados são mais preocupantes porque as mortes poderiam ter sido evitadas. A causa do aumento da mortalidade assusta mais ainda: a forma como a pandemia foi gerenciada não levou em conta a saúde da mulher grávida. Segundo um estudo publicado na Lancet Regional Health – Americas, uma em cada três mulheres grávidas com covid-19 em situação de tratamento intensivo não recebeu o atendimento necessário. Esse mesmo estudo conduziu uma pesquisa com 25 parentes de grávidas que morreram por conta da covid-19. Foi revelado que algumas grávidas chegaram a ir em cinco centros de saúde antes de receberem atendimento.
Isso explica a alta de 25% das mortes em 2020, já no primeiro ano da pandemia. Em 2021, esse crescimento foi de 41,9%, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Questões
Muito foi discutido sobre a vacinação das grávidas ou se o vírus era transmitido ao bebê caso a mãe fosse infectada – chamada de transmissão vertical –, mas toda a mudança fisiológica que acontece no corpo de uma gestante não foi efetivamente levada em conta. As repercussões da pandemia, portanto, vão muito além das óbvias. “Temos que continuar enfrentando e pensando realmente em políticas públicas de como atuar rapidamente, neste momento de reconstrução de muitas frentes e de muitos fronts”, diz a professora. Décadas de avanço e de indicadores importantes foram perdidas durante esse período. No início, o mundo inteiro não sabia como lidar com o vírus, o que impactou negativamente vários setores da sociedade, que vão sentir esses efeitos ainda por muitos anos.
“Eu acho que é uma das lições que a gente aprendeu durante a pandemia”, diz Cristiane. “[A gestante] entra no grupo prioritário e não há dúvidas que precisa ser vacinada. Tem que ter uma atenção diferenciada, porque é um período realmente diferenciado do ciclo de vida da mulher”, lembra.
Mudança de diretrizes
A prioridade deveria ser das mulheres gestantes, porque elas demandam um trabalho redobrado, explica Cristiane. “A morte materna, em função da desassistência neonatal e em função de uma desassistência equivocada no parto, aumentou mais do que duas vezes, ou seja, a gente saiu de um patamar de 70 mortes por 100 mil para 110 por 100 mil”, diz. Isso representa um aumento de mais de 50%.
Isso tudo em função da pandemia e da maneira como a gestante e a puérpera foram tratadas durante esse período. É de extrema importância, então, a reestruturação dos serviços, que realmente pesam nas políticas públicas. Além disso, ter profissionais de saúde treinados para o cuidado e atendimento da mulher é imprescindível.
Outros problemas
Em um outro âmbito, a saúde da mulher também foi afetada pela qualidade, periodicidade e necessidade dos exames clínicos. Por exemplo, houve diminuição da procura por mamografias, já que a prioridade estava em outro lugar.
Porém, o buraco é mais embaixo: a professora destaca que, além da diminuição de mamografias realizadas, é importante saber quais são os tipos de mamografias que são solicitadas pelos médicos. “Uma epidemia de mamografias sendo solicitada sem protocolos, fora da faixa etária e dos principais protocolos que existem”, diz a professora. “A gente quer chamar atenção para isso: esses exames precisam ser realizados com parcimônia. Não é isso de ficar mandando uma mulher de 30 para fazer mamografia”, finaliza.
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