O direito aos Direitos Humanos

Por Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 09/12/2022 - Publicado há 2 anos

Desde o ano de 1950, a data de 10 de dezembro tornou-se um evento de celebração em prol da oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DHDH) proclamada pela Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) em 1948. Passados 74 anos, tivemos muitas conquistas que, cada vez mais, fortalecem as investidas em defesa da ideia de que “todos os serem humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” (Artigo n.1 – DHDH). Pela primeira vez foi estabelecido uma norma comum a todas as nações em proteção universal dos direitos e liberdades individuais e coletivas. Em seus trinta artigos, estão listados os direitos básicos independentemente de nacionalidade, cor, sexo e orientação sexual, política e religiosa.

Além de celebrar o momento histórico que comoveu a todos que participavam daquela Assembleia Geral da ONU em 1948, a data de 10 de novembro nos instiga à indignação diante das constantes violações aos direitos humanos que persistem no mundo e no Brasil. Pelo visto, o ser humano ainda não aprendeu as lições deixadas pelo Genocídio Armênio, protótipo do genocídio moderno, e com o Holocausto, um genocídio singular. Será que é tão difícil assim respeitar e proteger a dignidade e o valor de cada pessoa?

Apesar da DHDH ter sido aprovada alguns anos após a liberação dos campos de concentração e de extermínio nazistas, dentre os quais estava Auschwitz em janeiro de 1945; apesar desse documento ter sido aprovado por eminentes representantes políticos, juristas e culturais de todas as nações ser humano; apesar dos seus trinta artigos trazerem listados os direitos básicos independentemente de nacionalidade, cor, sexo e orientação sexual, política e religiosa, as violações aos direitos humanos persistem.

Quais têm sido o contributo da ignorância histórica e dos interesses políticos do Estado ou de um determinado grupo no Brasil, para a persistência do racismo em todas as suas modalidades? Para qual bueiro foi parar o direito que cada ser humano tem de ser o que ele realmente é, sem ter que lembrar as autoridades estatais que ele e seus familiares têm fome? Quantas vezes os negros, as mulheres, os LGBTQIAP+ (e muitos mais), precisam gritar “nossas vidas importam!?”. Será que precisamos contar os mortos para comprovar que existe um genocídio indígena em curso ou que os pretos, pardos e os ciganos ainda não foram atendidos em seus direitos?

Diante do acirramento do racismo e, especificamente do antissemitismo no Brasil – assim como em várias partes do mundo, como têm demonstrado os protestos de alguns jogadores da Copa do Catar – devemos reafirmar “a importância renovada de medidas permanentes de reconhecimento e de inclusão de identidades de grupos sociais marginalizados.” Aliás, esta tem sido a tônica sustentada pelo organizadores do Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade, criado em 2020 pelos professores uspianos Paulo Casella e Felipe Alarmino, representantes do Centro de Estudos sobre a Proteção Internacional das Minorias (CEPIM), Arthur Roberto Capella, do Instituto de Relações Internacionais Giannattasio, e por mim, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER).

Daí a importância de educarmos nossos jovens para a capacitação da consciência histórica, sendo a história e a memória instrumentos incentivadores da capacidade crítica. Caso contrário, contribuiremos para a sabotagem dos Direitos Humanos e para o esquecimento de todas as barbáries que desestabilizaram (e ainda desestabilizam) a nossa democracia. Importante também cultivarmos a memória para que não se esqueçam as barbáries cometidas no passado, além de servirem de alerta contra as recorrentes acusações de que o seu semelhante é um ser indesejável ou um ser subumano. No entanto, não basta apenas relembrar fatos passados em salas de aula, cursos optativos ou cerimônias (re)memorativas, de forma intuitiva ou racional, se não conseguimos identificar de onde vem e por onde circula o veneno que corrói os direitos humanos.

Encerro este artigo com as palavras de Stéphane Hessel que, em 2011, mobilizou centenas de jovens e adultos pelas ruas de Madrid, mobilizados pela palavra “Indignai-vos!”:

A palavra indignação surgiu como uma definição do que se pode esperar das pessoas quando abrem os olhos e veem o inaceitável. Podemos adormecer um ser humano, mas não matá-lo. Em nós há uma capacidade de generosidade, de ação positiva e construtiva que pode despertar quando assistimos à violação dos valores. A palavra dignidade figura dentro da palavra indignidade. A dignidade humana desperta quando é encurralada. O liberalismo bem que tentou anestesiar essas duas capacidades humanas – a dignidade e a indignação –, mas não conseguiu.


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