Uma avaliação com princípios

Por André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação (ICMC) da USP, Antonio Carlos Marques, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, e outros autores*

 26/10/2022 - Publicado há 1 ano
André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho – Foto: Leonor Calasans – IEA/USP
Antonio Carlos Marques – Foto: IB/USP

 

 

A peculiar transparência alegada pelo reitor e vice-reitora (R&VR) em seu artigo “Compromisso com uma avaliação institucional transparente”, publicado em edição recente do Jornal da USP, nos impõe apresentar nossos esclarecimentos sobre a sequência de eventos, cuja gravidade resultou na renúncia coletiva de 6 dos 9 membros da CAI.

Não deixa de ser irônico que se alegue transparência como motivação quando foi negado a(o)s docentes da USP o conhecimento de nossas razões e argumentos. Na carta de renúncia de 20/9/2022, encaminhada à Reitoria por intermédio da Secretaria-Geral (SG), solicitamos explicitamente sua divulgação na íntegra ao conjunto das e dos docentes da Universidade. Entendemos que tínhamos o dever de fazê-lo, afinal a maioria de nós foi eleita pelos pares de nossas grandes áreas do conhecimento e, evidentemente, nossa comunidade tem o direito de conhecer as razões daqueles a quem confiou uma tarefa tão importante.

Essa demanda elementar de procedimento transparente não foi atendida e sequer respondida. Alguns segmentos da Universidade tomaram conhecimento de nosso documento por uma matéria da ADUSP e outros, por intermédio de alguns diretores que atenderam nossa solicitação em divulgá-lo.

Não deveria ser necessário lembrar que, em um ambiente acadêmico de excelência, como a USP, transparência, tanto no sentido figurado como no literal, não supõe um único sentido. Não nos move, como nunca moveu, intenção polêmica. Mas é impossível não lamentar a utilização do Jornal da USP para questionar ou rebater os argumentos de um documento cujo conhecimento integral foi impedido à comunidade.

Impossível também não apontar incorreções factuais do artigo, como a afirmação de que a Câmara de Avaliação Institucional (CAI) é uma “comissão assessora” da Comissão Permanente de Avaliação (CPA). Isso não é mencionado na Resolução 7272/2016.

Se não consta no instrumento legal que a constitui, a que serve a caracterização da CAI como “comissão assessora”? Que não se pretenda estabelecer uma analogia subliminar com as “comissões assessoras” das unidades, cujas presidências e vices são eleitas por instância superior, pois a Resolução 7272/2016 é inequívoca a esse respeito em seu artigo 8º, que estabelece, in verbis, que “Os Presidentes e Vice-Presidentes da CAI e da CAD serão eleitos pelas Câmaras, dentre seus membros.”

Tampouco vemos pertinência em trazer à tona questões relacionadas ao processo de progressão horizontal docente, afeto à CAD, tema sobre o qual cada um poderá ter uma avaliação pessoal, mas que em nada se relaciona à atuação da CAI.

Lamentamos que R&VR não tenham compreendido nossa analogia de considerar “o sistema de avaliação como uma política de Estado, e não de governo”. Ao contrário do colocado por R&VR, é justamente por entender a essencialidade da avaliação institucional que a consideramos como um processo que deve transcender as idiossincrasias das gestões reitorais. Para isso, a avaliação deve estar pautada unicamente “na letra do documento” aprovado pelo colegiado superior da Universidade, respeitando as competências e a hierarquia de cada instância no sistema, de modo a preservar o interesse maior da Universidade.

O contrário implicaria resvalar numa compreensão de que a avaliação institucional deveria estar a serviço de uma gestão e não da Instituição, o que queremos acreditar não seja o entendimento da Reitoria. De maneira coerente, sempre observamos estritamente todo o regramento de nossas competências e respeitamos as instâncias superiores, não fazendo qualquer sentido, portanto, dizer que “a CAI resvala para o campo de suas próprias suposições”, sem apresentar fatos que o demonstrem.

Também é de se lamentar, pela Universidade e não por nós, que R&VR considerem o ocorrido como “uma situação desnecessária [tendo] como motivo a simples transferência da data da reunião pela presidência da CP […] para que ela ocorresse de forma presencial”. Caso a VR, nos vários dias após seu Gabinete ter convocado a reunião de maneira remota (inclusive como estabelecido por ela própria em fevereiro de 2022), tivesse procurado dialogar com a CAI e solicitar a mudança de data, isso certamente teria sido atendido. No entanto, a VR optou por “determinar”, em mensagem eletrônica enviada após as 22h00 da véspera, o cancelamento da reunião. Essa atitude causou estranheza tanto pelo inopinado do horário como pela extrapolação de autoridade, uma vez que a Vice-Reitoria, normativamente, não exerce a Presidência da CAI.

A decisão, tomada pela unanimidade dos membros presentes, de manter a reunião seguindo o calendário estabelecido desde fevereiro de 2022, não representou desrespeito institucional, mas o entendimento de que a preservação das esferas de competência dos colegiados, estabelecidas nos instrumentos legais próprios, é condição inalienável e inegociável no funcionamento de uma universidade de excelência. Vale observar que a pauta, incluindo a eleição da nova presidência, era de conhecimento de todos, inclusive da VR, desde o final do mandato do docente que exercia a presidência em 6/8/2022.

Tomamos a decisão extrema de renunciar a nossos mandatos diante do que se configurou como uma escalada de negação de nossas atribuições regimentais e no temor de que a permanência dessa tensão, evidentemente referida à eleição da nova presidência da CAI, contaminasse a continuidade do trabalho em um momento crucial. Antes dessa decisão, alguns de nós se dispuseram a buscar uma saída para o impasse, desde que coletiva. Ou seja, sem vetos a qualquer dos membros da Câmara ou à garantia regimental de que a eleição do presidente é de competência exclusiva dos seus membros.

Tampouco cabe o argumento de que haveria membros recém-eleitos “que ainda sequer haviam sido empossados”. Os integrantes que atuaram e atuam na CAI, desde sempre, foram plenamente integrados aos seus trabalhos em sua primeira convocação para uma reunião ordinária, tal como foi realizado nesta oportunidade. Divergir desse fato implicaria considerar os atos da CAI, ao longo de toda a sua existência, passíveis de nulidade, o que seria institucionalmente irresponsável.

Se a Reitoria, como afirma em seu artigo, percebeu durante a campanha (sic) que “os processos de avaliação e promoção deveriam ser reavaliados” e assumiu “o compromisso de aperfeiçoar o sistema”, ela deveria, no nosso entendimento, fazê-lo de forma democrática e regular, envolvendo nessa discussão a comunidade da USP para, finalmente, submeter as alterações pertinentes na regulamentação do processo à aprovação do Conselho Universitário.

Ao contrário, portanto, do que insinua o artigo no Jornal da USP, temos a convicção de que renunciamos para defender os Princípios Democráticos, de Autonomia e Legais, e isso não pode, em nome do futuro digno desta Universidade, ser considerado algo menor. As gestões devem estar a serviço da Universidade, e não o contrário.

Por último, e em síntese, o que causa espécie é que R&VR usem o veículo institucional do Jornal da USP para criticar colegas docentes que vêm se dedicando há décadas a todas as atividades-fim e de gestão da Universidade, sem tê-los chamado a dialogar coletivamente sobre o caso; que ocultem da comunidade, até hoje, as razões apresentadas por esses colegas; e que busquem minimizar ou naturalizar um injustificável desrespeito ao Regimento da USP e a Princípios fundamentais prezados pela Universidade, como o da Autonomia e das Responsabilidades das suas instâncias constituídas.

* Carlos Alberto Ferreira Martins, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, João Francisco Justo Filho, professor da Escola Politécnica da USP, Pietro Ciancaglini, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, e Rita de Cassia Aleixo Tostes Passaglia, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.


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