Em palestra na USP, sobrevivente do Holocausto conta suas lembranças

Thomas Venetianer tinha 7 anos de idade quando foi levado para um campo de concentração na cidade checa de Terezín, onde ficou confinado por mais de um ano

 29/11/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 17/02/2017 as 11:29
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Palestra de Thomas Venetianer | Foto: Cecília Bastos
Thomas Venetianer em palestra na USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Desde 6 de outubro, o Serviço de Cultura e Extensão Universitária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP tem promovido o curso Sentidos e Significados da Educação em Tempos de Guerra. No curso, foram oferecidas aulas e palestras para apresentar e discutir o programa de ensino desenvolvido pela liderança judaica e por educadores em diversos campos de concentração e extermínio nazistas. Para encerrar o ciclo de atividades, foi realizada no Auditório da Geografia, na FFLCH,  no dia 24 de novembro, uma palestra com o sobrevivente do Holocausto Thomas Venetianer, que aos 7 anos de idade foi levado pela Gestapo (Polícia Secreta Alemã) para o campo de Theresienstadt.

Tom, como Venetianer gosta de ser chamado pelos íntimos, passou mais de um ano no campo que ficava localizado na cidade de Terezín, parte da atual República Checa. Ele foi deportado ao campo em março de 1944 e foi libertado somente em maio do ano seguinte. Em 1948, veio para São Paulo com seus pais (também sobreviventes), onde vive até hoje. Aos 78 anos, revela que percorre escolas dando palestras sobre suas experiências porque acredita que “esquecer os que foram assassinados naquele período negro da história é matá-los novamente”. Ainda em caráter quase militante, ele procura oferecer resistência aos movimentos atuais que, segundo ele, negam o Holocausto e querem apagar este período da história moderna. “Não posso somente observar o crescimento destes grupos. Ficar calado não é uma opção”, conclui.

Thomas Venetianer | Foto: Cecília Bastos
Thomas Venetianer perdeu 19 de seus parentes mais próximos nos campos de concentração nazistas – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Durante sua apresentação, Tom não se acanha para dizer que é um milagre vivo. “O que estão vendo na frente de vocês é um milagre”, declara sereno. Ele explica que, dos cerca de 3  milhões de judeus que sobreviveram ao genocídio promovido pelos nazistas, somente 10% ou menos estão vivos e, anualmente, morrem 10% desse remanescente. Isso garante, para ele, que sua existência seja um milagre. Ele acredita que em dez anos será raríssimo encontrar um sobrevivente. “Somos uma espécie em extinção”, afirma com preocupação. Tom sobreviveu, mas 19 de seus familiares mais próximos (em primeiro grau) não tiveram a mesma sorte. “Se contarmos os parentes em segundo e em terceiro grau, perdi pelo menos 100”, completa.

Pequenas ironias e coincidências marcaram a história da família Venetianer e sua relação com o regime genocida alemão. O pai de Tom era químico e dono de uma empresa de extermínio de percevejos na então Checoslováquia. Para matar os insetos, o chefe da família usava um composto gasoso chamado Zyklon B, o mesmo que mais tarde foi usado pelos nazistas para matar seus correligionários nas famosas câmaras de gás. Por outra coincidência, sua cidade natal foi transformada em território húngaro antes do início das deportações de judeus para campos de concentração. Os alemães não realizaram incursões persecutórias em território húngaro até março de 1944, momento em que os Venetianer foram sequestrados pela Gestapo, o que alongou sua estadia em liberdade.

O campo de Terezín, ao qual Tom foi levado, abrigava os prisioneiros por algum tempo, mas praticamente todos eram levados a Auschwitz, o mais famoso campo de extermínio nazista. Por terem sido capturados em 1944, os Venetianer não puderam ser levados a Auschwitz, uma vez que os soldados soviéticos já haviam destruído as linhas férreas que ligavam os dois campos. O pai de Tom foi então levado a um outro campo de concentração alemão, enquanto o filho e a esposa foram encaminhados a Terezín. “Em Theresienstadt, os alemães criaram um mundo de fantasia. Eles faziam a Cruz Vermelha acreditar que estávamos bem e que éramos livres”, relata o sobrevivente.

Palestra de Thomas Venetianer | Foto: Cecília Bastos
Venetianer considera que sua vida é “um milagre” – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Eu era uma criança de 7 anos e vivia uma vida surreal”, conta Tom, sobre sua vivência no campo. E, passando os olhos pelos espectadores, continua: “Vocês devem se perguntar o que sente uma criança nessa situação. Em primeiro lugar, sente medo”. Ele conta que o lugar desconhecido, a presença dos guardas e principalmente a convivência diária com cadáveres traziam medo aos mais jovens. “Em segundo lugar, fome.” Tom revela que eles recebiam não mais que 800 calorias de comida por dia, menos da metade do recomendado para um adulto médio. “Por fim, sente frio.” Os cobertores que recebiam eram insuficientes e de baixa qualidade, o mesmo acontecia com as roupas, e os ambientes não tinham nenhum tipo de aquecimento. Sobre o frio, Tom comenta que ainda sofre com os traumas: “Sou muito friorento até hoje, tenho dificuldade para lidar com mudanças bruscas de temperatura e sempre estou usando mais roupa que o necessário”.

Ao final da palestra, Thomas Venetianer foi questionado sobre como se sentia em relação aos alemães durante a guerra e que tipo de sentimento nutre pelo povo alemão atualmente. “Você pode passar sua vida inteira odiando”, iniciou Tom em resposta. “Mas essa não é minha personalidade. Eu não posso odiar filhos e netos de nazistas porque, em princípio, eles nada fizeram. Não é culpa deles terem nascido em um lar onde o pai é um assassino. Minha postura é aceitar que são seres humanos iguais a mim, eu os respeito e não tenho nenhuma questão com o povo alemão. Mas, em relação aos nazistas, não posso perdoá-los pelo que fizeram com minha família. Se isso é ódio ou não, pouco importa nesta etapa da minha vida. O que importa é que ainda sinto um grande vazio por ter perdido minha família. Por esse motivo não posso perdoá-los”, concluiu.


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