Análise identifica fatores que influenciam discursos de deputados federais

Pronunciamentos estão mais relacionados à ideologia, gênero, experiência parlamentar e popularidade do que ao alinhamento do parlamentar com o partido do Poder Executivo

 23/11/2016 - Publicado há 7 anos
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Brasília - O Plenário da Câmara dos Deputados - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Pesquisa analisou 127.782 pronunciamentos, entre 2000 e 2015,  e concentrou-se no pequeno expediente das sessões legislativas – Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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A ênfase dos discursos dos deputados federais em questões econômicas e sociais não está correlacionada ao alinhamento de seu partido com a legenda do Poder Executivo, mas sim com a sua ideologia, gênero, experiência parlamentar e popularidade.

A conclusão foi obtida a partir da análise de 127.782 pronunciamentos entre os anos de 2000 e 2015, realizada em pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, pelo cientista político Davi Cordeiro Moreira. O estudo concentrou-se no pequeno expediente das sessões legislativas que, devido às normas mais flexíveis, é usado pelos deputados para divulgar suas atividades e posicionamentos de forma livre por até cinco minutos.

A pesquisa teve a orientação do professor Paolo Ricci, da FFLCH. “Em todo o trabalho foram analisados 281.450 pronunciamentos, realizados em todos os momentos institucionais previstos no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) entre 5 de outubro de 2000 e 31 de janeiro de 2015”, conta Moreira. “Contudo, o foco principal se deu sobre as falas realizadas no pequeno expediente durante esse período, totalizando 133.650 discursos para a análise de frequência e 127.782 para análise temática.”

A análise da frequência dos discursos foi realizada para cada legislatura por meio de um modelo estatístico que considerou cada orador (deputado federal) atrelado à legenda partidária que o elegeu e à Unidade Federativa (UF) que representa. “Para analisá-la, foram consideradas como variáveis preditoras o gênero do deputado federal, o número de legislaturas de que participou, o percentual de votos recebidos na eleição que lhe concedeu o mandato, a posição ideológica da legenda partidária pela qual se elegeu (esquerda, centro ou direita), o posicionamento político de sua legenda em relação ao Poder Executivo (governo ou oposição) e, por fim, o PIB per capita da UF pela qual foi eleito”, descreve o pesquisador.

A pesquisa aponta que o pequeno expediente é, por excelência, o principal canal de comunicação parlamentar na Câmara dos Deputados, devido às regras pouco restritivas. “Constatou-se que o uso da infraestrutura de comunicação do pequeno expediente varia entre os deputados federais e não há indícios de que seu uso esteja atrelado ao posicionamento de sua legenda partidária em relação ao governo”, observa o cientista político. “O estudo aponta indícios de que o aproveitamento da infraestrutura disponível está atrelado a variáveis pouco relevantes no comportamento parlamentar sob o processo decisório: a ideologia, a senioridade [tempo de casa] e a sua popularidade. Tais variáveis são preditoras dessa frequência de uso da tribuna para comunicação parlamentar.”

Ênfase temática
A identificação dos temas enfatizados por cada um dos mais de 2 mil oradores contou com o uso de técnicas computacionais de aprendizagem não supervisionada, especialmente com o expressed agenda model, modelo hierárquico de classificação que foi desenvolvido pelo cientista político Justin Grimmer, professor da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

“Com a ênfase temática de cada deputado, foi realizada uma classificação qualitativa dos tópicos identificados para averiguar se pertenciam à agenda política social ou econômica”, diz Moreira. “Desse modo, foi possível verificar quanto cada parlamentar dedicou-se a cada uma dessas duas agendas e, como no caso da análise da frequência de discursos, foi possível verificar como as variáveis já destacadas descrevem a ênfase temática de cada deputado.”

Plenário do Senado Federal - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
O cientista político desenvolveu o projeto Retórica Parlamentar, que permite identificar os deputados federais e os temas mais enfatizados durante um determinado ano – Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

“A ênfase temática dos deputados federais a respeito de questões sociais ou temas próprios da área econômica é distinta e sua análise evidenciou que tal diferença relativa sofre a influência do percentual de votos recebidos, da ideologia da legenda partidária pela qual o parlamentar foi eleito e, especialmente, de seu gênero”, destaca o cientista político, “ sem qualquer evidência a respeito de seu posicionamento diante da coalizão governista”.

PT/PSDB

De acordo com Moreira, no caso do PT, por exemplo, é possível perceber na série histórica que há um padrão discursivo que privilegia temas da área social relativamente a temas da área econômica. “Tal padrão é inclusive perene ao longo das legislaturas”, aponta. Também verifica-se uma mudança de trajetória no perfil temático enfatizado pelo PSDB ao longo do tempo. “Sua ênfase temática tem se deslocado de um padrão equilibrado entre as áreas econômica e social para uma maior densidade temática sobre a área social nas últimas legislaturas.”

Em parceria com Luis Carli e Manoel Galdino, o cientista político desenvolveu o projeto Retórica Parlamentar. “Com ele é possível identificar os deputados federais e os temas mais enfatizados durante um determinado ano”, destaca. O projeto é mantido pela equipe do Laboratório Hacker e pelo Departamento de Taquigrafia da Câmara dos Deputados. “As evidências obtidas na pesquisa destacam que a atividade parlamentar no âmbito da Câmara dos Deputados não se reduz à relação governo-oposição e muito menos ao processo decisório.”

Mais informações: email davi.moreira@gmail.com, com Davi Cordeiro Moreira


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