O professor e cientista político José Álvaro Moisés, nesta edição de sua coluna, traça um panorama da trajetória dos regimes democráticos ao longo das últimas décadas. Há três décadas celebrava-se, conforme definição de um cientista político, a terceira onda de democratização do planeta, caracterizada por um conjunto de transformações antiautoritárias surgido na esteira do colapso do modelo soviético. Menos de 30 anos depois, porém, o quadro se alterou, sinalizando a reversão da expansão democrática anterior e colocando a democracia liberal na defensiva. Mais importante: sinalizava o início de uma nova onda de transformações políticas, “dessa vez provocando o efeito oposto da anterior, ou seja, abrindo espaço para a perda de força das ideias e dos princípios liberais e colocando no centro do cenário figuras de liderança que tendem a se autoinstituir como fiadores dos regimes políticos de seus países”. O colunista cita como casos emblemáticos os da Rússia, com Putin, Venezuela, com Chávez e Maduro, e o da Turquia, com Erdogan, tendência que atinge também países da União Europeia, casos da Polônia e da Hungria, tidos anteriormente como exemplos de democratização do Leste Europeu.
Na América Latina, segundo Álvaro Moisés, somam-se, à Venezuela do chavismo, Equador, Bolívia, Colômbia e, mais recentemente, o Brasil, com Jair Bolsonaro, “países que ampliaram a centralização do poder em mãos do Executivo, limitaram as atribuições do Parlamento em alguns casos e são palcos de contestação das eleições, de imposições e restrições à liberdade de imprensa e de obstáculos à ação da oposição. A atual crise das democracias ou da sua recessão diz respeito a situações em que, embora os líderes tenham sido eleitos pelo voto popular, são protagonistas de um processo de paulatina corrosão das regras e das instituições democráticas que alteram o formato do regime vigente”.
O colunista prossegue: “A origem dessas novas autocracias, diferente do que ocorreu no passado, não são golpes de Estado clássicos, mas é a situação em que os líderes autocratas passam a romper a estrutura dos limites impostos pelos princípios democráticos. A ação usual dos autocratas envolve a destruição da autonomia do Judiciário e das instituições de fiscalização e controle e, ao mesmo tempo, o impedimento ou a completa eliminação da oposição”. Álvaro Moisés situa o atual governo brasileiro nesse cenário. “Bolsonaro é um líder de mentalidade autoritária, que menospreza instituições básicas da democracia, como o Judiciário, demonstra seu desapreço pelo princípio da separação de poderes e estimula a intolerância política de suas bases de apoio. Nesse sentido, os ataques do presidente ao sistema eleitoral, levantando a hipótese de fraude, que nunca foi comprovada, soa como a preparação da contestação dos resultados, caso ele seja derrotado nas eleições. Muitos analistas chamam a isso de uma preparação de um golpe, que só será barrado se houver reação das instituições democráticas e da sociedade civil, e se as Forças Armadas se comportarem segundo o que está escrito na Constituição brasileira.”
Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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