Pesquisas eleitorais são importantes, mas precisam ser analisadas com cautela

Levantamentos ajudam no planejamento dos candidatos e fornecem informações para os eleitores, mas diversos outros fatores precisam ser considerados na hora de decidir o voto

 04/04/2022 - Publicado há 2 anos
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Um dos principais objetivos de uma pesquisa é conhecer o número de pessoas que votariam em determinado candidato – Foto: Divulgação/TSE
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As pesquisas de opinião e intenção de voto ganham cada vez mais destaque conforme a eleição se aproxima. Só neste ano já são mais de 100 pesquisas e 50 institutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Brasil nunca teve tantas consultas como em 2022.

Esses levantamentos envolvem uma série de dificuldades e demandam técnicas essenciais para garantir que sejam confiáveis. Os dados obtidos precisam ser tratados com cautela, mas fornecem informações importantes tanto para os candidatos quanto para os eleitores. 

A ciência das pesquisas eleitorais

Um dos principais objetivos de uma pesquisa é conhecer o número de pessoas que votariam em determinado candidato. A melhor forma de obter esse dado seria entrevistar todos os eleitores do país, mas, por questões logísticas e de custo, isso é inviável.

Neale El-Dash – Foto: Reprodução

Uma amostra, ou seja, o grupo de pessoas que serão consultadas, precisa ser definida. O professor Gilberto Paula, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, conta que, em geral, essa amostra é formada por cerca de 2 mil pessoas.

A partir dessas 2 mil entrevistas, os pesquisadores buscam estimar o comportamento de todos os eleitores. Para que essa estimativa seja mais precisa, é necessário que pessoas de diferentes perfis e opiniões sejam consultadas.  “A gente não pode favorecer nenhum grupo.”

Uma das estratégias adotadas para isso é a estratificação geográfica e socioeconômica. “O voto é algo muito geolocalizado. Em alguns bairros da cidade você vai ter pessoas votando muito mais para um candidato do que em outros bairros”, explica Neale El-Dash, doutor em estatística pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP e fundador do site Polling Data, que agrega e analisa as pesquisas publicadas no Brasil.

No País, essas entrevistas costumam ser feitas presencialmente ou por telefone. Segundo El-Dash, não existe um método mais adequado, “mas, no geral, fazer uma pesquisa telefônica no Brasil é mais rápido, mais barato e mais preciso”. Além de poupar custos de deslocamento, ligações telefônicas podem alcançar pessoas que não seriam incluídas em pesquisas presenciais.

Mesmo com todas essas estratégias, não é possível garantir a precisão total dos resultados, por isso existe a chamada margem de erro. “É um erro que a gente comete justamente por estar falando com algumas pessoas e não com todo mundo”, explica o pesquisador.

Essa margem marca a distância máxima entre o número obtido e o valor real. Por exemplo: se uma pesquisa tem margem de erro de 2 pontos e aponta determinado candidato com 25% das intenções de voto, significa que o número real está entre 23% e 27%.

GIlberto Paula – Foto: IME/USP

Existe também o nível de confiança, que mede a chance desse intervalo acontecer. O professor Gilberto Paula afirma que, em geral, esse nível é de 95%, portanto, é possível que o resultado não seja real. “Isso não quer dizer que a pesquisa esteja errada, existe sempre uma chance de a margem de erro não ser atendida”, lembra. Para aumentar ainda mais essa confiança, seria necessário entrevistar mais que o dobro de pessoas, o que aumentaria significativamente os custos do levantamento.

Além do tamanho da amostra, outros aspectos dificultam a obtenção de dados precisos. Os selecionados podem se recusar a participar ou responder com informações equivocadas. Há também casos de pessoas que ainda não decidiram seus votos, ou mesmo não pretendem votar. Por isso, os levantamentos tendem a ser mais precisos conforme a data da eleição se aproxima. Ainda assim, El-Dash ressalta que muitas pessoas decidem os votos nos últimos dias, o que causa variações muito grandes. 

“As pesquisas são importantes, elas podem ajudar, balizar eleitores candidatos e partidos, mas elas não podem ser um fator determinante na decisão do voto, existem muitas outras variáveis que o eleitor precisa levar em conta.”

Como a escolha dos votos é variável e depende de muitos fatores, Gilberto Paula conta que comparar diferentes pesquisas, em diferentes momentos, é melhor que analisá-las de maneira isolada. “Cada candidato tem uma curva. A partir do momento em que se tem essa curva, vai se estudando o que faz esse candidato subir ou descer [nas pesquisas].” Wagner Iglecias, sociólogo e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, também lembra que, para análises mais completas, é importante conhecer os institutos e financiadores responsáveis pelos levantamentos. 

O TSE adota algumas medidas para assegurar a qualidade e confiabilidade dessas consultas. Os institutos, para registrar suas pesquisas no órgão, devem informar os métodos utilizados, o número de entrevistados e o período de realização. Essas informações podem ser consultadas no site do Tribunal.

Diante desses requisitos, Neale El-Dash avalia positivamente as pesquisas conduzidas no Brasil. “Somos bem servidos por empresas que têm interesse em acertar”, afirma, ao dizer que, em nível nacional, as pesquisas são confiáveis. O pesquisador também comenta que a variedade de institutos e pesquisas é importante e ajuda a construir resultados mais sólidos, que podem ser comparados.

As pesquisas constituem uma parte importante das eleições – Fotomontagem com imagens de Freepik e TSE

Democracia, candidatos e eleitores

Wagner Iglecias – Foto: Reprodução

Mesmo com todas essas dificuldades, as pesquisas constituem uma parte importante das eleições. Iglecias lembra que o sistema democrático não se restringe somente ao aspecto eleitoral, mas “elas fazem parte desse repertório com comícios, carreatas e horário eleitoral”, portanto, são importantes para a democracia.

Com esses dados, os candidatos podem aumentar sua popularidade, conhecer as preferências dos eleitores e planejar as estratégias de suas campanhas. Além das intenções de voto, as pesquisas costumam indicar os temas do momento, como economia, segurança, corrupção ou meio ambiente. “Isso ajuda os partidos a balizar seu discurso, priorizar determinadas temáticas e escolher determinados adversários.”

Os dados também são importantes para que a população conheça os postulantes aos cargos públicos e tenham uma espécie de termômetro do período eleitoral. Entretanto, o professor destaca um aspecto negativo: algumas pessoas usam as pesquisas para definir seu voto.

Influência

“Na reta final, pesquisas podem influenciar o voto numa lógica que é muito típica de uma parte do eleitorado brasileiro, que é assim: ‘vou votar em quem está na frente, em quem vai ganhar’. Tem muita gente que faz escolha assim porque imagina que votar em um candidato que está atrás, embora a pessoa goste mais da proposta ou do perfil daquele candidato, seria perder o voto”, explica. Há também uma espécie de efeito manada, em que as pessoas definem o voto somente para se adequar ao comportamento da maioria.

Iglecias destaca que uma parcela muito significativa de eleitores estuda e decide o voto com antecedência. Mas a decisão de última hora e com base nas pesquisas pode, de alguma forma, influenciar positivamente os candidatos mais bem colocados e prejudicar os que aparecem com desempenho menor. “É muito focado na ideia de ‘não vou perder meu voto, tem uma determinada candidata muito interessante, mas ela está com 2%, eu adoraria votar nela, mas não vou porque ela não vai ganhar’”, exemplifica. 

O professor ressalta a importância da educação política, não para ideologizar ou fidelizar, mas para “formar cidadãs e cidadãos, pessoas que conheçam, por exemplo, como se faz um projeto de lei”. “Isso seria importante porque teria consequências no momento do voto: ‘vou votar no candidato porque ele é o melhor para a minha cidade’, e não por motivações emocionais ou votar no [candidato] A por não querer que o [candidato] B ganhe. As pesquisas são importantes, elas podem ajudar, balizar eleitores candidatos e partidos, mas elas não podem ser um fator determinante na decisão do voto, existem muitas outras variáveis que o eleitor precisa levar em conta”, conclui.


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