Resíduos da indústria de papel se transformam em bioetanol

Pesquisadores da USP acabam de desenvolver método que, além de oferecer alternativa limpa para o processo de branqueamento de papel, ainda produz bioetanol, a partir do lodo branco

 27/10/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 01/11/2016 as 16:16
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Mesa formadora da etapa final da celulose. Técnica desenvolvida em laboratório da USP utiliza fungo no branqueamento de papel, reduz poluição ambiental e ainda produz biocombustível – Fotos: Slide Share

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A indústria de papel e celulose gera grandes volumes de resíduos orgânicos e inorgânicos que agridem o meio ambiente. Esses resíduos, em especial o lodo branco, estão presentes na água utilizada no processo de branqueamento do papel, água essa que requer tratamento intenso e complexo antes de ser devolvida aos rios.Em busca de alternativas na redução destes resíduos, pesquisadores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP acabam de desenvolver método que, além de oferecer alternativa limpa para o processo de branquear o papel, ainda produz bioetanol. O combustível é obtido a partir do lodo branco, um dos principais resíduos da indústria de papel e celulose.

Jorge Henrique Almeida Betini e a professora Maria de Lourdes Teixeira de Moraes Polizeli

Conta o biólogo Jorge Henrique Almeida Betini, responsável pela pesquisa, que utilizou enzimas fúngicas para quebrar moléculas do lodo branco. Esse resíduo se constitui, na maior parte, por fibras microscópicas de celulose e restos de amido. “Cada fibra de celulose e de moléculas de amido é composta por vários seguimentos de açúcares, como se fossem gomos de salsicha unidos entre si”. Ao adicionar enzimas, as moléculas de fibra de celulose e de amido se separam em açúcares menores que alimentam a levedura Saccharomyces cerevisiae, a mesma do fermento de pão, que também é a responsável pela produção do etanol.

Foi assim que conseguiram o bioetanol, biotransformando o lodo branco, resíduo considerado por Betini de grande potencial, pois compete com outros, também utilizados para esta finalidade, como a palha da cana-de-açúcar, o bagaço da cana e a palha de arroz. Mas, esclarece que, “em termos de rendimento, nenhum pode ser comparado à obtenção de etanol tradicional das usinas de cana-de-açúcar”.

Entretanto, lembra o pesquisador que a produção do biocombustível a partir do lodo branco oferece valor agregado no destino deste resíduo. O processo reduz danos à natureza, diminuindo a retirada de recursos naturais e a utilização de áreas plantadas. O setor papeleiro também economizará por não precisar tratar esse resíduo.

Fungos, da natureza para a indústria

 Espalhados na natureza, os fungos se dividem em espécies de diferentes gêneros, a maioria invisível aos olhos. Estes seres alimentam-se de seres mortos – animais e vegetais já em decomposição, fazendo uma verdadeira limpeza no meio ambiente. Se por si os fungos já ajudam a preservar o meio ambiente, com a ajuda humana eles podem fazer muito mais. É o que acontece quando as indústrias os utilizam para produção de queijos, iogurtes, vinhos, cervejas, pães, bolos e até medicamentos, como antibióticos.

A pesquisa da FFCLRP isolou cerca de dez fungos de solos e de materiais em decomposição até encontrar o mais eficaz na produção de xilanase e amilase, as enzimas responsáveis pela decomposição do lodo branco. O escolhido foi o Aspergillus carbonarius; encontrado amplamente na natureza, esse fungo se reproduz por esporos – sementinhas microscópicas que se espalham pelo vento.

Saccharomyces cerevisiae, electron micrograph - Foto: Mogana Das Murtey e Patchamuthu Ramasamy via Wikimedia Commons
Saccharomyces cerevisiae, electron micrograph – Foto: Mogana Das Murtey e Patchamuthu Ramasamy via Wikimedia Commons

O pesquisador contou com a ajuda do graduando Eliano dos Anjos, também da FFCLRP, na coleta do Aspergillus carbonarius realizada no Bosque Municipal Fabio Barreto, em Ribeirão Preto. “O local foi escolhido, pois nosso laboratório participa do projeto SISBIOTA, que tem como finalidade a coleta de dados sobre fungos em diversas localidades do Estado de São Paulo”, afirma Betini.

Além da produção de bioetanol, o fungo Aspergillus carbonarius se mostrou viável como alternativa limpa no branqueamento na fabricação de papel. Esse setor da indústria gasta grandes quantidades de produtos químicos no branqueamento da polpa celulósica, como, por exemplo, derivados do cloro. Desse processo, lembra Betini, resultam efluentes que precisam ser tratados antes de retornarem para o meio ambiente, do contrário causariam mortes de peixes e outros seres vivos.

A utilização de fungos para branqueamento do papel já faz parte da rotina industrial de países desenvolvidos como Finlândia e Canadá, mas no Brasil os custos ainda elevados desta produção fazem as indústrias optarem exclusivamente por produtos químicos. Contudo, resultados como os obtidos nesse estudo podem encurtar o caminho para o uso da xilanase.

A orientadora do estudo, professora da FFCLRP Maria de Lourdes Teixeira de Moraes Polizeli, afirma que a técnica com fungos não retira todos os produtos químicos da produção do papel. É que as fibras de celulose possuem uma substância natural chamada ‘lignina’ que tem coloração escura, muito difícil de ser removida. Mas, “o biobranqueamento reduz a quantidade de produtos químicos utilizados nas etapas do processo convencional”, afirma.

Os resultados que acabam de sair dos laboratórios da FFCLRP comprovam a eficiência na obtenção do papel branco através da xilanase. A aplicação industrial da técnica também reduz a utilização de produtos químicos e a extração de recursos naturais para fabricá-los.

No Brasil e no mundo existem várias pesquisas sobre o biobranqueamento; elas se diferenciam quanto à utilização de enzimas e fungos. “Já a obtenção de bioetanol a partir do Lodo branco é pouco explorada aqui no país”, conta a professora.

Os estudos da equipe liderada por Maria de Lourdes devem otimizar as condições para o aumento da produção de bioetanol a partir do lodo branco. Continuam também na busca por fungos bons produtores de enzimas que atuem na parede celular das plantas –  a celulose.

A tese de doutorado Bioprospecção de fungos filamentosos e aplicação de enzimas na obtenção de bioetanol a partir de lodo branco e no biobranqueamento de polpa celulósica da indústria de papel foi defendida em maio deste ano, no Programa de Biologia Comparada da FFCLRP.

Gabriela Vilas Boas, de Ribeirão Preto

Mais informações: (16) 3315-3701 ou (16) 3315-4680


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