Para Caio Prado Júnior, economia é inseparável da história

Com “História e Desenvolvimento”, Editora Boitempo começa a reeditar obras do intelectual paulista

 26/01/2022 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 31/01/2022 às 16:47
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“A exploração em larga escala, conjugando áreas extensas e numerosos trabalhadores, constituiu-se como única organização coletiva de trabalho e produção” do Brasil colonial, afirma Caio Prado Júnior em História e Desenvolvimento – Foto: Divulgação

É na história, nos fatos concretos da formação e da evolução da nossa nacionalidade, que se encontra o material básico e essencial necessário para a compreensão da realidade brasileira atual e sua interpretação com vistas à elaboração de uma política destinada a promover e estimular o desenvolvimento. O Brasil de hoje ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado e não pode, por isso, ser entendido senão na perspectiva e à luz desse passado. O desenvolvimento e o crescimento econômico constituem tema essencialmente histórico e, ao contrário do tratamento que lhes vem sendo dado pelos economistas, não podem ser incluídos em modelos analíticos de alto nível de abstração.

Caio Prado Júnior, um dos grandes intérpretes da realidade brasileira – Foto: Wikimedia Commons

Essas frases são extraídas do primeiro capítulo do livro História e Desenvolvimento – A Contribuição da Historiografia para a Teoria e Prática do Desenvolvimento Brasileiro, de Caio Prado Júnior (1907-1990). A obra inaugura a Coleção Caio Prado Júnior, da Editora Boitempo, que anuncia a reedição de livros e ensaios do intelectual paulista (leia texto abaixo).

História e Desenvolvimento foi escrito em 1968 originalmente como tese para o concurso de professor da Cátedra de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O concurso não ocorreu em razão da cassação de professores da USP, decretada com base no Ato Institucional Número 5 (AI-5), de 1968, que incluiu o nome de Caio Prado Júnior, embora ele não fosse docente da Universidade. O livro seria lançado somente em 1972 pela Editora Brasiliense – fundada em 1943 por Caio Prado Júnior, Monteiro Lobato e outros intelectuais – e teria mais duas edições, em 1978 e 1989. Agora, a edição da Boitempo inclui um prefácio de autoria do sociólogo e professor da FFLCH Florestan Fernandes (1920-1995) – publicado na edição de 1989 – e um posfácio inédito assinado pela economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.

Contra as teorias ortodoxas

Nas primeiras páginas de História e Desenvolvimento, Caio Prado Júnior faz a crítica das ideias do economista norte-americano Walt Whitman Rostow (1916-2003), um expoente do pensamento econômico ortodoxo nos anos 60. De acordo com essas ideias, as nações subdesenvolvidas estariam numa etapa anterior ao estágio alcançado pelos países capitalistas centrais e, para elas, atingir esse estágio seria apenas uma questão de tempo. Para Caio Prado Júnior, os modelos empregados na análise econômica ortodoxa são apenas a expressão matemática dos fatos econômicos tais como se desenrolaram nas sociedades que atingiram alto grau de maturidade das relações capitalistas de produção. “Logo se percebe como tais modelos se prestam mal, ou não se prestam de todo, para a visualização e a análise de fatos que não são aqueles precisamente em cuja base eles foram construídos, ou seja, os fatos característicos de um capitalismo maduro”, escreve o intelectual. “Isso diz respeito, de maneira flagrante, a países da nossa estrutura socioeconômica que, embora enquadrados no sistema geral do capitalismo, estão longe de apresentarem uma estrutura, um comportamento econômico e mesmo relações de produção que no seu conjunto se podem identificar ao que ocorre nas sociedades de alto amadurecimento capitalista.”

A nova edição de História e Desenvolvimento, que inaugura a Coleção Caio Prado Júnior, da Editora Boitempo – Foto: Reprodução

Em seguida, Caio Prado Júnior se dedica a expor a “marcha” da história do Brasil, a fim de identificar “o sentido fundamental que condicionou a nossa formação, evolução e maneira particular de ser”. Retomando teses defendidas em Formação do Brasil Contemporâneo – sua principal obra, lançada em 1942 -, ele destaca a importância da produção de açúcar para a economia colonial, voltada para a exportação, cultivada em grandes propriedades, baseada no trabalho escravo e dirigida diretamente pelo proprietário. “É a exploração em larga escala, que, conjugando áreas extensas e numerosos trabalhadores, constituiu-se como uma única organização coletiva de trabalho e produção”, explica Caio Prado Júnior, lembrando que essa estrutura econômica agrária implantada no século 16 atravessou os séculos sem praticamente nenhuma modificação. “É nesse quadro que se disporá o conjunto da economia colonial; e sobre essa base se organizará a sociedade brasileira.” 

A inexistência de um mercado interno – abafado pela estrutura econômica voltada exclusivamente para a exportação -, a precária alimentação da população brasileira daí decorrente, o esgotamento do regime colonial e os impactos da Revolução Industrial e da nova ordem internacional nos séculos 18 e 19 são outros temas tratados por Caio Prado Júnior em História e Desenvolvimento. “De acordo com nosso autor, ainda que a estrutura social tenha se tornado mais complexa, a sociedade brasileira conservava esses traços primevos, sobretudo a habitual inferiorização econômica de suas classes trabalhadoras e populares”, afirma a economista Leda Paulani em seu posfácio, referindo-se às análises de Caio Prado Júnior sobre a estrutura de classes que, segundo ele, o Brasil herdou do seu passado colonial. “O que se deduz, portanto, é que sem a transformação dessa situação o caráter restrito do mercado interno não desapareceria, não viria o desenvolvimento e a economia brasileira permaneceria mero apêndice marginal e periférico do centro desenvolvido.”

História e Desenvolvimento – A Contribuição da Historiografia para a Teoria e Prática do Desenvolvimento Brasileiro, de Caio Prado Júnior, Editora Boitempo, 144 páginas, R$ 45,00.

Coleção inclui coletâneas inéditas do intelectual paulista

A Coleção Caio Prado Júnior inclui volume com textos publicados pelo intelectual paulista na Revista Brasiliense, publicação fundada por ele e que circulou entre 1955 e 1964 – Foto: Reprodução

A Coleção Caio Prado Júnior, da Editora Boitempo, dará a público pelo menos sete volumes com textos de Caio Prado Júnior. “A demanda dos leitores por diversas obras do intelectual paulista tem sido grande, já que parte de seus trabalhos não é reeditada há décadas”, escreve na apresentação de História e Desenvolvimento – o primeiro volume da série, lançado no final do ano passado – o professor Luiz Bernardo Pericás, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que é o coordenador da coleção. “Por isso a importância dessa iniciativa, que levará ao público facetas menos conhecidas de um dos mais importantes intérpretes de nossa realidade, disponibilizando às novas gerações desde escritos de juventude de Caio Prado Júnior até seus artigos da fase da maturidade.”

Depois de História e Desenvolvimento, está prevista a publicação, no segundo semestre deste ano, de um volume com dois ensaios, URSS, Um Novo Mundo e O Mundo do Socialismo, escritos em 1934 e 1962, respectivamente, após viagens do intelectual ao Leste Europeu. 

Outro volume da série será Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, livro publicado em 1957 em que Caio Prado Júnior mostra a necessidade de formular uma teoria econômica que considere as características próprias dos países subdesenvolvidos.  

O Estruturalismo de Levi-Strauss e O Marxismo de Louis Althusser, dois ensaios de 1971, formarão outro livro da Coleção Caio Prado Júnior, que incluirá ainda Diretrizes Para Uma Política Econômica Brasileira, de 1954.

Dois volumes da coleção serão dedicados a coletâneas inéditas organizadas por Pericás. Uma delas vai reunir artigos de Caio Prado Júnior publicados entre os anos 30 e 70 em diferentes jornais e revistas, como Novos Rumos, Fundamentos e Encontros com a Civilização Brasileira. A outra coletânea será formada por todos os artigos do intelectual publicados na Revista Brasiliense, fundada por Caio Prado Júnior, que circulou entre 1955 e 1964.


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