Jovem maestro, aluno da ECA, vence concurso internacional de Tóquio

Único brasileiro selecionado, José Soares, de 23 anos, estudante do Departamento de Música, é o mais novo vencedor da competição, conquistando prêmios do júri e do público

 25/11/2021 - Publicado há 2 anos
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Maestro José Soares, com apenas 23 anos, é o mais novo regente a conquistar os prêmios do júri e do público – Foto: Daniela Paoliello

 

Não só único brasileiro, mas também único representante das Américas, José Soares foi selecionado entre os 331 inscritos de 49 países para o 19º Concurso Internacional de Regência de Tóquio, o tradicional Tokyo International Music Competition for Conducting. No total 12 maestros de oito países participaram da primeira etapa do concurso, que teve início em setembro último. Sem pretensões, e depois de uma difícil quarentena de 14 dias no Japão, o maestro, de apenas 23 anos, passou pelas fases seguintes, consagrando-se o mais jovem regente a conquistar os prêmios do júri e do público.

Cursando ainda o bacharelado em Composição, no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Soares é o atual regente assistente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. A pandemia causada pelo covid-19 e uma “rotina atribulada”, como ele diz, fizeram com que adiasse a apresentação do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na USP para 2022. Segundo ele, é preciso aproveitar as oportunidades que vão aparecendo porque o trabalho de regência é um longo caminho a ser percorrido. “Durante o período na Universidade, buscava esse aprofundamento teórico e reflexivo do ensino acadêmico, e, fora dela, o aperfeiçoamento da prática na regência”, afirma.

Além de ter vencido o concurso de regência em Tóquio, sua trajetória já está repleta de conquistas. Soares participou como bolsista nas edições de 2016 e 2017 do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, sendo que na última edição conquistou o prêmio de regência, garantindo um estágio como regente assistente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) na temporada de 2018. Em julho de 2019, teve aulas com maestros consagrados, entre eles Paavo Järvi e Leonid Grin, como parte do programa de Regência do Festival de Música de Parnü, na Estônia. E, ainda no final de 2019, recebeu o convite para atuar como regente assistente da Filarmônica de Minas Gerais – Soares já havia participado do Laboratório de Regência da Filarmônica de Minas Gerais em 2017, e em 2019 foi convidado pelo regente titular e diretor artístico Fabio Mechetti a assumir um dos programas da série Concertos para a Juventude, uma espécie de audição para selecionar o novo regente assistente, posição que assumiu no início de 2020.

 

“Eu tive a sorte de nascer dentro de uma casa em que a música fazia parte do cotidiano”

Natural de São Paulo, Soares nem se lembra da primeira vez que escutou uma orquestra ou ouviu um coral. “Eu tive a sorte de nascer dentro de uma casa em que a música fazia parte do cotidiano”, lembra. Sua mãe, Ana Yara Campos, era regente coral, desenvolvendo um trabalho de formação de pessoas nos coros comunitários. Com cinco anos iniciou na prática do coro, e aos oito começou a estudar piano. Mas, para ele, o instrumento era apenas uma forma pela qual se expressava musicalmente porque seu desejo de fazer música ia além, e a figura do regente já era muito presente. Como ele conta, a decisão de seguir profissionalmente na música veio foi antes de ingressar na universidade.

Maestro José Soares recebendo o prêmio do Concurso Internacional de Regência de Toquio – Foto: Divulgação/19th Tokio International Music Competition for Conducting

 

Estudou Regência Orquestral com o maestro Cláudio Cruz, em um programa regular de masterclasses, realizado em parceria com a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo. “Entrei no programa de masterclasses no terceiro ano do ensino médio”, relembra, acrescentando que precisou estudar muito para tirar boas notas já que a vida orquestral começou intensa. Em 2015, em uma Oficina de Música de Curitiba, teve sua primeira experiência em reger uma orquestra. Em 2016, ingressou no Departamento de Música da USP, optando por Composição porque, segundo ele, traz um universo de conhecimentos de maior abrangência. Na prática, diz, o regente tem uma atuação performática e seria importante complementar a formação de músico na criação musical. “O curso de composição ajudou muito e deu grande embasamento nesse quesito, em bases teóricas”, informa.

Em paralelo à sua formação acadêmica, foi buscando oportunidades de prática na regência. Em 2017, durante a Semana Santa, cursou o Laboratório de Regência da Filarmônica de Minas Gerais, dando início a uma grande parceria. Segundo ele, nessas ocasiões a Filarmônica seleciona quatro maestros para reger a orquestra, e ele foi um dos escolhidos para reger um dos quatro movimentos de uma sinfonia romântica. Soares ainda destaca sua regência em uma versão pocket de ópera no Theatro São Pedro, um universo muito singular, como define.

Em 2018, recebeu uma mensagem do maestro Fábio Mecheti, da Filarmônica de Minas Gerais, sobre um processo seletivo para regente assistente; e no final de 2019, regeu um dos concertos, sendo então convidado a integrar o corpo da orquestra. “Se só tivesse regido aquela manhã já seria uma grande experiência”, diz. Chegou em fevereiro em Minas Gerais, e em março a pandemia paralisou todas as atividades. No retorno, em outubro de 2020, precisou assumir a regência, mas já em uma situação totalmente diversa, com distanciamento e protocolo de máscaras. “Foi um desafio fantástico”, comenta e ainda brinca dizendo que a maior parte do tempo em que passou regendo foi de máscara, exceto na final do concurso no Japão.

 

“Vi o anúncio do concurso há cerca de um ano, mas duvidava de sua realização por conta da pandemia”

O Concurso Internacional de Tóquio existe desde 1966 e premia as áreas de regência, canto e música de câmara, sendo que a modalidade regência se realiza a cada três anos. “Vi o anúncio do concurso há cerca de um ano, mas duvidava de sua realização por conta da pandemia”, diz. Entretanto, enviou sua inscrição, vídeo e currículo, e no início de julho foi comunicado que havia sido selecionado. “Me chamaram, agora a brincadeira ficou séria”, falou para Mecheti. O maestro e a família o incentivaram a seguir em frente nessa aventura, como costuma dizer Soares.

“Vendo agora, tanta coisa poderia ter dado errado”, reflete e enumera os porquês: conseguiu o visto três dias antes de embarcar – o governo só iria autorizar poucos dias antes porque era preciso se certificar que seria seguro para que os candidatos internacionais pudessem ir; o próprio resultado do teste do PCR (para identificar se há presença do vírus Sars-Cov 2), além da segunda dose da vacina, que só conseguiu tomar no dia do embarque; e, já do outro lado do Pacífico, todas as regras estipuladas pelo Japão, um novo teste para covid-19 e uma série de procedimentos de controle, incluindo aplicativos no celular. “São procedimentos muito eficientes para se conseguir entrar naquele país, que já possui uma cultura de máscara”, constata. Depois da saída do aeroporto, o isolamento total no quarto de hotel.

O regente atuando em uma das etapas do concurso – Foto: Divulgação/19th Tokio International Music Competition for Conducting

 

Passados os 14 dias de quarentena, todos os 12 maestros selecionados – seriam 14, mas dois declinaram, como informa Soares – iniciaram as apresentações dos trechos de obras do repertório que constava da inscrição e que seria exigido no concurso. O júri da edição 2021 foi composto por nove regentes da Holanda, Alemanha, Reino Unido, Áustria e Finlândia e foi presidido pelo maestro japonês Tadaaki Otaka, maestro titular da Orquestra Sinfônica NHK, diretor musical da Orquestra Sinfônica de Osaka e maestro laureado da BBC National Orchestra of Wales. Segundo Soares, como três dos jurados não conseguiram fazer a quarentena, ficaram isolados dos demais.

Nessa primeira etapa, foram eliminados cinco candidatos, restando apenas sete para a segunda fase. “Outras peças, mais complexas, com diferentes características, mais modernas, com solos e outras especificidades vieram”, relata Soares. Foram mais dois dias de apresentações, ao lado da Orquestra Filarmônica de Tóquio, que classificaram Soares e outros três finalistas: Samy Rachid (França), Bertie Baigent (Reino Unido) e Satoshi Yoneda (Japão).

A final foi realizada no dia 3 de outubro, no Tokyo Opera City Concerto Hall, acompanhada pela orquestra New Japan Philharmonic, ocasião em que Soares regeu a Abertura de La gazza ladra, de Rossini (peça obrigatória para os quatro finalistas) e Petrushka, de Stravinsky, obra escolhida por ele. “Uma obra desafiante, de um compositor que em 2021 completa 50 anos de sua morte”, comenta e continua: “é uma peça que não tinha tido oportunidade de regê-la com uma orquestra completa”. E o que começou como uma aventura, terminou com uma grande conquista, tornando-o o mais jovem maestro a vencer o prêmio não só do júri como também do público.

Mas Soares não se deslumbra, sabe que a trajetória de um músico, que desempenha a função de regente, é a longo prazo e que sua trajetória está apenas começando. E acha isso muito bom. “É uma profissão de grande longevidade, e com um grande repertório”, analisa. “Acredito que fazer música é um processo dinâmico, e a grande alegria de um músico é o dia-a-dia”, conclui.


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