A prática de exercício físico e seus efeitos na saúde e no sono

Por Claudia R. C. Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP

 02/09/2021 - Publicado há 3 anos
Claudia Moreno – Foto: Arquivo pessoal

 

 

Salvo engano, até os sedentários não negam os benefícios da prática de exercícios físicos para a promoção da saúde. Já os especialistas em sono acrescentam ao rol de efeitos positivos dos exercícios a melhoria da qualidade do sono. No entanto, alertam para que a prática seja evitada próximo da hora de ir dormir, o que dificultaria o adormecer. Por outro lado, os mecanismos que explicam essa relação entre exercícios e sono ainda não estão totalmente esclarecidos.

Em 2017, um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia fez uma revisão sistemática a partir de um levantamento bibliográfico dos quatro anos anteriores exatamente sobre a relação exercício-sono. Medidas objetivas ou subjetivas do sono e uma intervenção de exercícios de acordo com as diretrizes recomendadas pelo American College of Sports Medicine foram os critérios que incluíram 34 estudos na revisão. Dentre esses, 29 estudos concluíram que os exercícios melhoraram a qualidade ou a duração do sono. No entanto, quatro não encontraram nenhuma diferença e um relatou um impacto negativo do exercício no sono. Fatores como idade, estado de saúde e tipo ou intensidade do exercício podem explicar a variação observada entre os resultados dos estudos revisados. A prática de exercícios foi especialmente positiva entre pessoas mais velhas de modo a promover um aumento da eficiência e da duração do sono, independentemente do modo e da intensidade da atividade, principalmente em populações portadoras de doenças. Os autores concluem que o sono e o exercício exercem efeitos positivos substanciais um sobre o outro, porém ressaltam que os mecanismos por trás dessas observações devem ser elucidados.

O aumento da temperatura corporal durante a prática de exercícios é, sem dúvida, um fator que, reconhecidamente, altera a latência do sono, dificultando o adormecer, quando os exercícios são realizados imediatamente antes do início do sono. Exercícios aeróbicos também liberam endorfinas aumentando o estado de alerta, o que reforça a recomendação de se evitar exercícios físicos antes do sono. Por outro lado, exercícios físicos praticados ao longo do dia promovem o alerta e reduzem a sonolência, de forma a reduzir a latência de sono à noite. A prática de exercício moderado regularmente, durante os momentos de lazer, contribui para a redução do peso corporal e de dores musculoesqueléticas, além de melhorar a capacidade respiratória. Em conjunto, esses fatores reduzem a chance de desenvolvimento de doenças, inclusive distúrbios de sono.

Assim, ainda que não se tenham elucidado todos os mecanismos envolvidos na melhoria da qualidade de sono decorrente da prática de exercícios, já há uma base consistente de evidências para recomendar a prática de exercícios como uma medida de promoção do sono de boa qualidade. Há, por exemplo, evidências suficientes para a National Sleep Foundation americana reconhecer que o sono e os exercícios têm uma relação bidirecional. Em outras palavras, otimizar a prática de exercícios pode potencialmente melhorar a qualidade de sono e dormir uma quantidade adequada pode promover a atividade física durante o dia.

Resta ainda saber qual é o melhor horário para a prática da atividade física. O sistema de temporização biológico regula os processos do corpo com um ritmo de aproximadamente 24 horas. Este sistema influencia muitos aspectos do desempenho, variando de efeitos fisiológicos a fatores motivacionais, perceptivos e cognitivos. Do ponto de vista biológico, faz sentido supor que o desempenho da atividade física no final da tarde é melhor que quando realizada de manhã. Em um estudo sobre a hora do dia de atividade física (manhã versus noite) e efeitos do consumo de uma dieta rica em gordura no controle glicêmico, pesquisadores australianos acompanharam homens com sobrepeso/obesidade que consumiram uma dieta com 65% da energia da gordura por 11 dias consecutivos. Após cinco dias de dieta, os participantes foram aleatoriamente alocados para exercícios pela manhã (6h30), exercícios no final da tarde (18h30) ou nenhum exercício nos cinco dias subsequentes. Vinte e quatro participantes completaram o estudo e foram incluídos nas análises (oito por grupo).

A prática de atividade física teve um impacto menor do que a dieta rica em gordura nas mudanças nos metabólitos circulantes, e apenas o exercício realizado no final da tarde foi capaz de reverter parcialmente algumas das mudanças induzidas pela dieta rica em gordura nos perfis metabolômicos. As melhorias na aptidão cardiorrespiratória foram semelhantes, independentemente da hora do dia da atividade física. No entanto, melhorias no controle glicêmico e reversão parcial das mudanças induzidas por uma dieta rica em gordura nos perfis metabólicos foram observadas apenas quando os participantes se exercitaram no final da tarde. Em outro estudo, pesquisadores da Universidade de Groningen, na Holanda, investigaram o efeito da hora do dia na avaliação do desempenho físico de atletas olímpicos. Os pesquisadores observaram que o pior desempenho foi no início da manhã, por volta das 5 horas, enquanto o melhor foi observado no final da tarde, por volta das 17 horas.

Assim, embora o senso comum sugira que a melhor hora do dia para a prática de atividade física seja de manhã cedo, estudos sugerem que tal afirmativa não é válida de modo genérico. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta características biológicas da pessoa, o que leva à variação do desempenho ao longo do dia. Um vespertino extremo deve expressar seu melhor desempenho no início da noite, enquanto um matutino extremo, bem mais cedo. Outra consideração diz respeito ao desempenho esperado do treinamento físico. É óbvio que atletas preferem horários em que seu desempenho é melhor, mas se o objetivo do treino for a promoção da saúde, é provável que o desempenho não seja tão importante.

Exercícios leves e moderados podem ser praticados pela manhã quando não há a preocupação com o desempenho e desde que sejam realizados apenas por pessoas que se sentem bem se exercitando nesse horário. Já o controle glicêmico parece ser mais eficiente quando o treino é realizado no final da tarde. Por fim, a preocupação com o aumento do tempo para adormecer devido à prática de atividade física próxima do horário de início do sono não impede que esta seja realizada no final da tarde, desde que seja realizada algumas horas antes do início do sono.


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