O Museu da Língua Portuguesa está de volta

Fechada desde 2015, instituição retorna com novidades para o público

 27/07/2021 - Publicado há 3 anos
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Exposição O Português do Brasil - Foto: Arquivo Museu da Língua Portuguesa

O Museu da Língua Portuguesa está de volta

Fechada desde 2015, instituição retorna com novidades para o público

27/07/2021

Por: Juliana Alves

Arte: Simone Gomes

“Quem não tem amigo, mas tem um livro, tem uma estrada.” Como sugere a escritora Carolina Maria de Jesus em Quarto de Despejo, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, possui a Rua da Língua, mas ela não é só construída por livros. Há também expressões, poemas, inscrições, propagandas e outros fragmentos verbais que fazem refletir sobre a linguagem. Essa “estrada” poderá ser vista pelo público a partir deste sábado, dia 31, com a reabertura do Museu da Língua Portuguesa, depois de seis anos de reforma, em razão de um incêndio, ocorrido em 2015.

Seis anos após a tragédia, “o museu reabre com um novo projeto de segurança, que dispõe de toda uma série de equipamentos em caso de emergência, com sistemas automatizados de alerta que detectam qualquer anomalia, além de uma brigada treinada para impedir tragédias”, relata Marília Bonas, diretora técnica do Museu da Língua Portuguesa.

O prédio que abriga a Estação da Luz foi reformado, com um investimento de mais de R$ 85 milhões, e no dia 31 receberá convidados para a cerimônia oficial de reinauguração, com transmissão ao vivo pelas redes sociais do museu. A partir do dia seguinte, domingo, 1º de agosto, o público poderá admirar o museu com dia e hora marcados. Os ingressos são vendidos exclusivamente pela internet. Cada visitante receberá chaveiros touchscreen, para evitar o toque nas telas interativas. A capacidade de público está restrita a 40 pessoas a cada 45 minutos e o uso de máscaras será obrigatório. Essas são algumas medidas de combate à covid-19. “A reabertura do museu é uma operação especial. Seguimos os protocolos internacionais de visitação de instituições culturais na pandemia”, ressalta Marília Bonas.

Marília Bonas - Foto: Arquivo pessoal

 Exposição Laços de Família (Reprodução: Arquivo Museu da Língua Portuguesa)

Logo na entrada, os visitantes têm acesso ao Pátio Oeste, ligado à Estação da Luz, onde se encontra a exposição que marca a reinauguração do museu, Língua Solta. A mostra explora as várias perspectivas da língua portuguesa na arte e no cotidiano (leia mais sobre a exposição Língua Solta no texto abaixo)

Já no segundo pavimento, além de percorrer a Rua da Língua, os visitantes se deparam com instalações de longa duração, como Línguas do Mundo, uma espécie de floresta sonora de línguas, realizada em parceria com comunidades de imigrantes de diferentes regiões do Brasil. Nela, é possível ouvir áudios na língua de origem e a mesma frase em português. Essa “floresta” possui 7 mil galhos (o número de línguas faladas no planeta). “Cada uma delas é uma visão de mundo”, destaca Isa Grinspum Ferraz, curadora especial do Museu da Língua Portuguesa.

Outra instalação, Laços de Família, traz um diagrama animado, que reproduz uma “árvore genealógica” da língua portuguesa e suas influências, focada no público infantil.

Exposição Praça da Língua – Foto: Arquivo Museu da Língua Portuguesa.

Ainda no segundo pavimento do museu, uma atração com diversão garantida para crianças e adultos é Palavras Cruzadas. Ali, oito totens interativos explicam como algumas línguas contribuíram para a formação do português do Brasil. O jogo pode ser realizado por meio de palavras, descobrindo sua forma e pronúncia na língua de origem, ou por povos, investigando sua cultura, tradições e sua chegada ao Brasil.

A mistura de tecnologia e diversão está presente também na exposição Beco das Palavras, composta de mesas interativas com sensor de movimento que mostram a origem das palavras da língua portuguesa e os mecanismos secretos com que a língua se renova. 

Outra mostra de longa duração é O Português do Brasil, que apresenta uma Linha do Tempo da Língua Portuguesa. Ela começa com o latim, ainda durante o Império Romano, passa pelas influências das línguas indígenas, africanas e de imigrantes e chega aos dias atuais, com a linguagem da internet. Diferentes recursos são utilizados para mostrar a trajetória da língua: vitrines com objetos, textos, depoimentos de especialistas, mapas animados, vídeos históricos e obras literárias. Isa Ferraz comenta que, ao exibir o conteúdo em diálogo com o visitante, o museu oferece diferentes pontos de vista para que ele formule o seu próprio pensamento. “Esperamos que seja um visitante ativo e saia do museu com mais perguntas do que quando entrou”, diz a curadora.

Nós da Língua – outra exposição que os visitantes verão no Museu da Língua Portuguesa – traz uma espécie de caleidoscópio, uma tela que explora cantos, poemas e imagens com base em pesquisas em locais como Moçambique, Angola, Cabo Verde, Portugal e Macau (China), com a consultoria de especialistas e escritores como o angolano José Eduardo Agualusa e o moçambicano Mia Couto, conforme descreve Isa. “Essa exposição trata da presença global do português, falado por 261 milhões de pessoas espalhadas por todos os continentes. Mesmo utilizando o mesmo idioma, cada um desses lugares tem suas especificidades, sotaques e cultura”, reflete a curadora.

Exposição Falares  – Foto: Arquivo Museu da Língua Portuguesa

O terceiro andar do Museu da Língua Portuguesa oferece três atrações. Uma é a exposição Falares, em que os visitantes atravessam um “bosque”, constituído por telas que mostram a diversidade dos falares regionais e sociais do Brasil. O objetivo é combater o preconceito linguístico e celebrar a diversidade, segundo a diretora técnica Marília Bonas. “Gravamos 190 pessoas falando com a imagem de cada um e percebemos o quanto é diversa nossa língua, apesar de todos nós falarmos português”, afirma a curadora Isa.

As outras atrações do andar são os espaços O Que Pode a Língua e a Praça da Língua. O primeiro é um auditório em que o público é convidado a assistir a um filme poético sobre o desenvolvimento da linguagem e seu poder criador. O segundo é uma espécie de “planetário do idioma”, um espetáculo imersivo de som e luz em homenagem à língua portuguesa escrita, falada e cantada.

No quarto e último pavimento do museu, o terraço do edifício histórico, com vista para o Jardim da Luz e a Torre do Relógio, também estará disponível para o público.

Marília diz que o Museu da Língua Portuguesa continua sendo um lugar “muito acolhedor”. “As pessoas se identificam e se emocionam com o local. Ele é um museu que existe para valorizar o nosso falar, expressões e sotaques. Ele fala muito sobre nós, o que o torna relevante”, enfatiza a diretora técnica.

O Museu da Língua Portuguesa será reinaugurado neste sábado, dia 31, e estará aberto para o público a partir de domingo, dia 1º de agosto. O horário de funcionamento é de terça-feira a domingo, das 9 às 18 horas. O museu está localizado na Praça da Luz, s/nº, Portão 1, Bom Retiro, em São Paulo. Mais informações estão disponíveis no site do Museu da Língua Portuguesa.

Os ingressos custam R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia) e são vendidos através do site sympla.com.br. Grátis aos sábados. 

Exposição Língua Solta marca reinauguração do museu

Língua Solta é a exposição que marca a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa. Com curadoria de Fabiana Moraes e Moacir dos Anjos, a mostra – em cartaz até 3 de outubro – traz 180 peças relacionadas com o uso da língua portuguesa que conectam a arte à política, à vida em sociedade, às práticas do cotidiano, às formas de protesto e à religião.

A expressão que dá título à mostra, “língua solta”, se refere ao fato de a língua estar em toda parte, no campo erudito e no popular, ativando imagens, objetos e situações diversas do cotidiano, de acordo com o  curador Moacir dos Anjos. “Não só pensando a língua portuguesa como derivada de Portugal, a língua no Brasil assume diversas outras roupagens, diversas outras assimilações”, complementa Fabiana Moraes.

Entre as obras que compõem a exposição estão uma instalação aérea de Elida Tessler, com palavras escritas penduradas em varais com prendedores de roupa, um quadro-negro gigante de Cinthia Marcelle, história em quadrinhos também ampliadas de Rivane Neuenschwander (que permite que o público crie suas próprias histórias), cartazes irônicos de Marta Neves, poesias cortantes de Miró, um audiovisual sobre o método de alfabetização de adultos criado por Paulo Freire nos anos 60 e panos de prato com mensagens religiosas. 

Pinturas, vídeos, esculturas, cartazes, rótulos de cachaça, cartas e até  placas coletadas pelos curadores nas ruas das cidades brasileiras também são expostos em Língua Solta. A ideia é quebrar hierarquias na arte. Segundo Moacir dos Anjos, o objetivo é trazer para próximo do museu uma visão sobre a língua que toma a arte contemporânea como ponto de partida, mas que vai além dela, aproximando essa arte de uma produção popular, cotidiana, até mesmo anônima. 

Um exemplo de arte popular presente na exposição é o trabalho de Maria de Lourdes, escritora pernambucana que há mais de 30 anos produz livretos em folhas de papel no tamanho A4. Os livretos, que remetem à literatura de cordel, são vendidos por Maria de Lourdes nas ruas de Caruaru (PE) por R$ 0,50 ou R$ 1,00. Outra obra é o Manto do Bispo do Rosário. Seus tecidos abrem a exposição, ao lado dos estandartes de Maracatu, obras relacionadas a questões de raça, classe e beleza. 

Há também obras com caráter humorístico, como a seleção de memes feita pelo coletivo Saquinho de Lixo, que reflete a história política e social do Brasil. Ela discute ainda a cultura midiática, de celebridades, associada a temas como as manifestações populares nas ruas. Por exemplo, memes de autoria de Hannah Montana abordam o uso de máscaras e a proteção do Sistema Único de Saúde (SUS). 

“Celebrar a potência da língua portuguesa” é a relevância da mostra, segundo o curador Moacir dos Anjos. Para ele, Língua Solta é como uma metáfora que pode se referir a um lugar democrático, em que demandas diversas são lançadas de um lado a outro, confrontando-se e construindo um tecido social mais inclusivo e justo. “Língua solta é o de que mais precisamos agora”, diz o curador.


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