Nicolas Poussin e sua busca infinita pela paisagem

Pesquisas da crítica de arte Magnólia Costa sobre o artista francês são tema de livro da Editora da USP

 09/10/2020 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 13/10/2020 as 10:45
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Nicolas Poussin, Os Israelitas Recolhendo Maná no Deserto, 1639, óleo sobre tela, 149 × 200 cm, Musée du Louvre, Paris – Foto: Reprodução/extraído do livro Nicolas Poussin: Ideia da Paisagem

 

São paisagens que contam histórias. Uma narrativa do desenho que se movimenta entre cores e se expressa nos rostos e na ação de cada personagem. A luz do céu, filtrada pelas árvores, convida os leitores a ler primeiro as imagens das 272 páginas do livro Nicolas Poussin – Ideia da Paisagem, da crítica de arte Magnólia Costa, recém-lançado pela Editora da USP (Edusp). E depois conhecer a pesquisa da autora sobre a história e obra do pintor. Uma outra narrativa que leva à reflexão sobre os rumos da paisagem na história da arte ocidental.

Nicolas Poussin, Autorretrato, 1650, óleo sobre tela, 98 × 74 cm, Musée du Louvre, Paris – Foto: Reprodução/extraído do livro Nicolas Poussin: Ideia da Paisagem

“Muito se sabe sobre Nicolas Poussin. As cartas do artista para seus padroni (mestres), suas notas sobre a arte de pintar e as Vidas com que seus contemporâneos o homenagearam são a base de um legado de textos que continua a crescer, mesmo passados 350 anos de sua morte. A fortuna de Poussin sempre esteve atrelada ao discurso. ‘Lede a história e o quadro.’ Com essas palavras, Poussin selou sua sorte.”

Magnólia Costa é doutora em Filosofia pela USP, professora titular da Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, e especialista em arte francesa do século 18 e em pintura de paisagem franco-italiana do século 17. “Com a sabedoria do filósofo, Poussin inventa uma maneira sóbria e decorosa de mostrar a história, seja sagrada, seja profana, seja metodológica”, explica a pesquisadora. “Embora os círculos acadêmicos franceses não admitam, o pintor constitui a paisagem de maneira tão plena que sua pintura é em si uma perspectiva do gênero, tanto do ponto de vista retórico como pictórico. Talvez por isso sua produção tenha encontrado fortuna em outros domínios.”

 

Serena ou furiosa, a paisagem de Poussin é fonte de constante e unânime admiração. Ela evidencia o poder do discurso retorizado, pelo qual Poussin manifestou todo o heroísmo de sua prudência.”

 

Logo no prefácio, Magnólia Costa conduz o leitor para a ideia das paisagens de Poussin. “O desejo de fazer o melhor leva Poussin a entender a própria cena de paisagem como um lugar elevado que ele constrói decorosamente, recorrendo ao modelo teatral retorizado do século 16”, explica.

Segundo a análise da autora, as paisagens teatralizadas de Poussin evocam o esplendor e o espetáculo dos sítios da Antiguidade. “Elas correspondem a uma concepção idealizada da natureza, local aprazível e acolhedor que se apresenta como palco de uma vida simples e virtuosa. Luzes cálidas, relevo variado, vegetação farta, águas tranquilas e, principalmente, as fábricas, como são chamadas as grandes peças de arquitetura, constituem cenas em que são apresentadas várias ações, inclusive envolvendo personagens de condição elevada que dão título às composições, assim reiterando seu caráter heroico.”

Nicolas Poussin, Infância de Baco, c. 1624-1625, óleo sobre tela, 97 × 136 cm, Musée du Louvre, Paris – Foto: Reprodução/extraído do livro Nicolas Poussin: Ideia da Paisagem

 

A crítica de arte Magnólia Costa – Foto: Nicole Nigro

A natureza também é palco de tragédias, manifestando-se em tempestades. “Serena ou furiosa, a paisagem de Poussin é fonte de constante e unânime admiração. Ela evidencia o poder do discurso retorizado, pelo qual Poussin manifestou todo o heroísmo de sua prudência. Só heróis buscam maravilhas.”

Magnólia explica que, no livro, a obra de Poussin é entendida como um objeto histórico e circunscrito ao eixo Roma-Paris, entre 1624 e 1665. “Ela é produzida para padroni que pertencem a círculos sociais permeados por valores e interesses que se expressam segundo um repertório de conhecimentos e convenções bastante específico. A análise histórica da pintura de Poussin, em particular de suas paisagens, pressupõe a investigação desse repertório.”

 

A mudança na história da paisagem conferiu a Poussin um papel central no desenvolvimento desse gênero de quadros na Academia Real de Pintura e Escultura de Paris.”

 

Nicolas Poussin – Ideia da Paisagem tem apresentação do também crítico de arte e professor da Faap Felipe Chaimovich, que é curador do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. “Para a autora, o pintor Nicolas Poussin modificou definitivamente o status do gênero artístico da paisagem ao conferir um caráter heroico às cenas minuciosamente projetadas”, escreve Chaimovich.

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O  livro de Magnólia Costa, lançado pela Editora da USP (Edusp) – Foto: Reprodução

Na análise de Chaimovich, foi como rigoroso seguidor de regras que Poussin deu voz à paisagem. “Essa mudança na história da paisagem conferiu a Poussin um papel central no desenvolvimento desse gênero de quadros na Academia Real de Pintura e Escultura de Paris, pois ele foi o grande modelo seguido na instituição, responsável pela própria definição e hierarquização da arte acadêmica ocidental desde a década de 1650.”

O crítico chama a atenção para a riqueza de fontes da pesquisa de Magnólia, citadas em “generosas notas agrupadas na parte final do volume”. Também destaca: “Ilustra esse fascinante percurso intelectual e artístico uma completa galeria de Poussin e dos pintores de seu tempo, analisada à luz dos conceitos que pautavam os debates do período: a ideia, o desenho, a cor, os gêneros de arte, a invenção, o deleite. E, transitando entre o regrado e o novo, surge um vívido retrato do artista que modernizou a história da paisagem, tendo seu impacto chegado até Cézanne”.

 

Nicolas Poussin – Ideia da Paisagem, de Magnólia Costa, Editora da USP (Edusp), 272 páginas, R$ 82,00


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