Fala de Bolsonaro na ONU mostra realidade paralela para o mundo

Segundo Deisy Ventura, o objetivo do discurso foi ocultar o que realmente acontece no Brasil e atribuir a responsabilidade da crise para outros atores, como os prefeitos e governadores, o que prejudica a imagem internacional do Brasil

 02/10/2020 - Publicado há 4 anos
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Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, a professora Deisy Ventura, do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e coordenadora do doutorado em Saúde Global, apresenta o sexto boletim da série Direitos na Pandemia. Nesta edição, o documento aborda as normas estabelecidas para o combate da covid-19 nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e os equívocos do discurso do presidente Jair Bolsonaro na 75ª Assembleia Geral da ONU.

Quanto ao discurso do presidente Jair Bolsonaro na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, analisado pelo boletim, a professora Deisy compartilha que o objetivo foi ocultar o que realmente acontece no Brasil e atribuir a responsabilidade da crise para outros atores, como os prefeitos e governadores. No discurso, o presidente mentiu ao informar que o Superior Tribunal Federal delegou aos Estados e municípios a responsabilidade pelas ações de combate à pandemia, enquanto, na verdade, o STF reconheceu a competência concorrente dos Estados, municípios e da União: “A coordenação nacional da resposta nunca deixou de ser atribuição da União, essa é uma competência compartilhada entre os entes federativos e foi isso que disse o STF. E, aliás, fez muita falta uma coordenação da União que fizesse conter a propagação da doença. O governo federal fez o contrário”. 

Deisy comenta que o presidente Jair Bolsonaro foi incoerente ao afirmar no discurso que assistiu mais de 200 mil famílias indígenas para conter a propagação da covid-19, já que ele vetou pontos importantes de proteção dos povos nativos previstos na Lei 14.201, de 2020, sancionada em 7 de julho – os vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional. “O presidente vetou os artigos fundamentais, como acesso a água potável, assistência médica, leito de UTI, campanhas para explicar a gravidade da doença. O presidente apresenta como se fosse iniciativa dele algo que ele tentou destruir de todas as formas.” E a professora complementa: “Chamamos esse discurso do presidente de realidade paralela. Isso é o que se tenta vender para a comunidade internacional, mas nos coloca no mais absoluto ridículo. Com a velocidade de transmissão de informações hoje, todos os líderes mundiais sabem o que está acontecendo no Brasil, o que torna ainda mais patética a atuação do governo federal”.

Além do discurso do presidente, o boletim analisou as normas produzidas pelos Estados do RJ e SP no combate à pandemia. Ao todo, o Rio de Janeiro produziu 562 normas, enquanto São Paulo produziu 653. Segundo a professora, o pico de adoção das normas foi em março, principalmente com as primeiras medidas de prevenção, que envolviam a suspensão de atividades não essenciais, por exemplo. O número de normas aumentou também devido ao retorno das atividades nos dois Estados. Por meio do boletim, é possível também avaliar a atuação do Parlamento durante a pandemia. Deisy explica que em São Paulo as normas são geralmente redigidas pelo Poder Executivo, portanto, há o predomínio de portarias, enquanto no Rio de Janeiro há maior participação parlamentar na criação das ordens. “Apresentamos também quais são os órgãos que emitem um maior número de normas. No caso do RJ, é o gabinete do governador e, no caso de SP, é a Secretaria da Saúde.”

Para a professora, as normas de flexibilização das ações contra a covid-19 são perigosas, porque a retomada das atividades pode causar o aumento do número de casos, o que provavelmente acontece no Rio de Janeiro: “Podemos nos perguntar se é de fato uma segunda onda ou se é a mesma onda, porque, na maior parte do País, a primeira onda não foi controlada, o que leva a questionar se é algo novo ou se é devido à flexibilização das normas”. Outro ponto abordado é um artigo escrito pelos alunos da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, da Faculdade de Direito da USP, que retrata os impactos das medidas contra a covid-19 sobre as pessoas em situação de rua.

A sexta edição do boletim Direitos na Pandemia, publicação de divulgação científica da Conectas Direitos Humanos e do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da FSP, com periodicidade quinzenal, pode ser acessada aqui

Ouça a íntegra da entrevista no player.


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